Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Boxear não é preciso, divergir é preciso

Polêmica é antipática, sem dúvida, ainda mais em momento de celebração pela façanha de Bia

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Neste domingo (8), a pugilista baiana Beatriz Ferreira, 28, disputará a medalha de ouro dos pesos leves, até 60 quilos, contra a irlandesa Kellie Harrington, 31. Com qualquer resultado ela já é a mais bem-sucedida brasileira na história da chamada nobre arte. Não é pouco, aliás, é muitíssimo.

Como ficam, então, os que consideram que a humanidade só será realmente civilizada quando a luta de boxe for banida da face da Terra, como pensa este pobre contraditório colunista?

Tão contraditório que tem como ídolos Éder Jofre e Muhammad Ali, dois dançarinos sobre os ringues, os dois melhores de todos os tempos em suas categorias, pesos galo e pesado.

Tão incoerente que não perdia as lutas de ambos e acordava cedo, ainda criança, para ouvir no rádio as disputas do brasileiro. Tão ilógico que não considera a luta de boxe, e tudo o que dela deriva, um esporte, embora admita o óbvio sobre os méritos do treinamento. E que à espera utópica da proibição da prática se desesperou quando também as mulheres passaram a participar, em 2012, em Londres, das Olimpíadas.

Machismo? Se eles podem, por que elas não poderiam? É claro, as mulheres podem o que quiserem, mas, para quem defende que nelas não se bate nem com uma flor, e que bater em mulher é covardia inominável, vê-las levando socos é insuportável. Pois não veja, dirão os que discordam, e é o que fará o colunista, mesmo que vá acompanhar a cada três minutos dos três assaltos a contagem de pontos na madrugada, mais exatamente às 2h, na torcida por Bia.

São muitos os argumentos a favor do boxe, e o jornalista Breno Altman os apresentou nesta Folha com o brilho habitual. Há esportes mais arriscados, que machucam mais, e é tudo verdade, mesmo que, ao contrário do boxe, o objetivo não seja nocautear o adversário, razão pela qual há quem o desconsidere como esporte, por mais que haja regras, preocupação com isonomia na competição etc. e tal.

Inegável, ainda, ser o boxe oportunidade de sobrevivência digna para quem vem das camadas excluídas.
Só que negar, ou omitir, os danos cerebrais causados danifica também o debate.

Antipática polêmica, sem dúvida, ainda mais em momento de celebração pela façanha de Bia.

Cabecear bolas como fazem os futebolistas é igualmente danoso aos neurônios, mas, de novo, o objetivo do cabeceio é fazer e evitar gols, não machucar ninguém. Sem se dizer que só no primeiro round de uma luta o boxeur leva mais socos na cabeça que um zagueiro ou um centroavante durante todo o jogo.

Nobre Arte?

Fica a reflexão e, com ela, a homenagem a Bia Ferreira, a Éder Jofre e a seu treinador, o melhor de todos no Brasil, o comunista Waldemar Zumbano (1913-2004), avô materno de Breno Altman. Divergir, sim, é preciso.

Ironia olímpica

Quiseram os deuses do Olimpo que o recorde de duas dezenas de medalhas do Brasil fosse justamente na Tóquiovid-21, a primeira, desde 1996, com Carlos Arthur Nuzman banido do Comitê Olímpico do Brasil.

Com ele, em seis edições dos Jogos, o esporte nacional não chegou às 20 medalhas de ouro, prata e bronze, pouco ainda para o potencial do país, que não tem uma política esportiva de verdade, mas marca suficiente para ser comemorada livre do exercício centralizador e corrupto que marcou as gestões de Nuzman.

Que o rejuvenescimento trazido pelo skate e pelo surfe signifique também o arejamento de mentalidade que se constata, por exemplo, na natação.

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