Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Juca Kfouri
Descrição de chapéu
Rússia

O lobo do homem goleia a humanidade nos estádios, nos estúdios, mundo afora

O horror vivido por quem apenas queria ver um jogo de futebol reproduziu as cenas da guerra na Ucrânia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Agora foi no México, aquele país da América Latina, onde os astecas foram dizimados pelos europeus.

Para se mostrarem mais machos que os baianos que jogaram bombas no ônibus do Bahia, ou que os gaúchos que apedrejaram o do Grêmio, ou os paranaenses que invadiram o gramado para agredir o time do Paraná, ou os pernambucanos que partiram para cima dos jogadores do Náutico, ou os paulistas que emboscaram a delegação do São Paulo na ida para o Morumbi e aqueles que, anos atrás, tomaram de assalto o centro de treinamentos do Corinthians, torcedores do Atlas e do Querétaro mancharam de sangue em cenas bárbaras o gramado e as arquibancadas do estádio Corregidora.

O horror vivido por quem apenas queria ver um jogo de futebol reproduziu as cenas da guerra na Ucrânia onde soldados russos trucidam civis que também não faz muito tempo, em 2014, massacraram manifestantes antifascistas em Odessa com mais de 40 mortos queimados pelo incêndio causado na Casa dos Sindicatos.

Enquanto isso, estúdios de TV tomam partido e o maniqueísmo impera na guerra de informações, com mentiras cínicas de um lado e do outro.

cenário de violência e pancadaria no estádio La Corregedoria, na cidade de Querétaro
Cenário de violência e pancadaria no estádio La Corregedoria, na cidade de Querétaro - Eduardo Gomez - 6.mar.22/AFP

"O homem é o lobo do homem" é a frase celebrizada pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) e século após século, com armas rudimentares ou tecnologia de ponta, a humanidade se esmera em provar quão certa é a máxima originalmente do dramaturgo romano Platus, em latim, homo homini lupus.

No espaço reservado para comentar o saudável espírito de luta dos tricolores no Majestoso que redundou na sexta vitória, em nove jogos de invencibilidade, do São Paulo diante do Corinthians no Morumbi, como ignorar as cenas dantescas em Querétero?

Ou não mencionar que, embora após o clássico com torcida única, 40 mil torcedores sob sol e tempestade de granizo, tenha transcorrido pacificamente, fora do estádio, na estação de trem Primavera-Interlagos, torcedores dos dois clubes tenham protagonizado novas brigas?

O herói do clássico, o argentino Jonathan Calleri, por sinal, sabe bem o que é violência, agredido em campo, em 2016, depois de o São Paulo eliminar o The Strongest da Libertadores em, por ironia, La Paz.

Naturalizamos a estupidez a tal ponto que quase 500 mil eleitores paulistas foram capazes de eleger esse tal Arthur do Val, com h apenas no nome, pois de homem não tem nada, anteontem bolsonarista, ontem com Doria, hoje com Moro, sempre um animal.

Daí pedir desculpas à rara leitora e ao raro leitor, principalmente se tricolores, por não dar o devido espaço à vitória sobre o rival de treinador novo e problemas antigos.

Ainda impactado pelo documentário "Elza&Mané, Amor em Linhas Tortas", pelas cenas da barbárie mexicana, pelo medo com o incêndio da usina atômica de Zaporijia, e "com cinzas a preencher a atmosfera, o bloqueio do nosso sol (…) o fim deste desmundo não está à vista", como escreveu a iluminada jornalista Dorrit Harazin, não há Majestoso, Fla-Flu, Grêmio-Nal, que console.

Até Neymar, logo ele, o rei das gracinhas, empurrou um rival do Nice na derrota do PSG porque, imagine, o atacante Gouiri deu uma carretilha para comemorar a vitória de seu time.

Perdemos a guerra.

Pacifistas como o indiano Mahatma Gandhi, o estadunidense Martin Luther King e o sul-africano Nelson Mandela são os derrotados que se orgulhariam de não estar entre os vencedores.

Erramos: o texto foi alterado

A frase "O homem é lobo do homem" é atribuída ao filósofo inglês Thomas Hobbes, não a John Locke. O texto foi corrigido.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.