Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Fala-se tanto em golpe nestes dias no país que corremos o risco de banalizá-lo

Parece mentira, mas a julgar pelo que escrevem os melhores jornalistas do país, e os analistas políticos mais sérios, devemos nos preocupar

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A geração de 1950 cresceu convivendo com golpes.

Os primeiros, de Éder Jofre, o melhor peso-galo da história do boxe.

Em 1960, contra o mexicano Joe Medel, o nosso Galo de Ouro estava em maus lençóis no 10° round da luta que habilitaria o vencedor a desafiar o campeão mundial Eloy Sanchez.

Espremido contra a cordas, no corner, Éder desferiu um murro de esquerda e nocauteou o rival.

Vencer Sanchez e ficar com o cinturão de campeão acabou tarefa bem mais tranquila.

Na mesma década de 1960 todos nos acostumamos com os golpes do peso-pesado Mohamed Ali, o maior pugilista do planeta, que golpeava e dançava como se estivesse brincando.

Até quem desgostava da chamada Nobre Arte se entusiasmava com as façanhas do pequeno enorme brasileiro e do gigantesco americano que se recusou a lutar no Vietnã.

Quem dera fossem aqueles golpes os mais marcantes da década.

Livro "Anos de Chumbo: O Teatro Brasileiro na Cena de 1968", de Quartim de Moraes. Tanques ocupam a avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, em 4 de abril de 68
Livro "Anos de Chumbo: O Teatro Brasileiro na Cena de 1968", de Quartim de Moraes. Tanques ocupam a avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, em 4 de abril de 68 - Wikicommons

Em 1964 aconteceu o golpe na democracia brasileira e vivemos 21 anos de escuridão.

Tortura, desaparecimento de opositores, mortes, censura, corrupção, inflação, barbárie, para interromper o que parecia o círculo mais virtuoso da vida nacional, embalado pela Bossa Nova, Cinema Novo, bicampeonato mundial de futebol e de basquete, Maria Esther Bueno, número 1 no tênis em três temporadas, Manuel dos Santos recordista mundial dos 100 metros nado livre, até um bicampeão mundial de pesca submarina, Bruno Hermanny, tivemos.

Estamos longe de viver ambiente tão encantado e promissor como então.

Vivemos aturdidos com a ideia tresloucada de novo golpe quase 60 anos depois daquele que enxovalhou as Forças Armadas.

Parece mentira, mas a julgar pelo que escrevem os melhores jornalistas do país, e os analistas políticos mais sérios, devemos nos preocupar.

Como golpear o restante da enferma democracia que temos desde 2016?

A rejeição ao governante no Planalto beira os 70% e, ao contrário de 1964, os Estados Unidos são contra o golpe.

O doido golpista não passa de provocador barato cercado pelo que há de pior e mais medíocre, ex-soldado posto para fora do Exército cuja covardia pessoal já ficou demonstrada em diversos episódios, sempre que enfrentou a reação firme das instituições —menos vezes do que fez por merecer, é verdade.

Numa das poucas ocasiões em que pareceu sensato, não reagiu a assalto, em 1995, quando lhe tomaram a motocicleta e a arma (!), a arma (!) e a motocicleta —e nada menos adequado para um valentão.

"Levaram a moto, uma Honda Sahara de 350 cilindradas seminova, e a pistola Glock calibre 380 que tinha debaixo da jaqueta. No dia seguinte, Bolsonaro apareceu na imprensa dizendo ter se sentido indefeso no momento do assalto", relatou o repórter Bruno Abbud, na revista Época, em 2018.

Convenhamos: está na hora de deixarmos o garganta rasa falando sozinho e tratarmos de derrotar os fascistóides em outubro.

Nos pleitos estaduais e nos para a presidência da República e Congresso Nacional, em busca de assegurar maioria comprometida com a reconstrução do Brasil, tarefa que será penosa e muito além de salvadores da pátria —espécie, aliás, em falta no mercado desde sempre.

Rara leitora e raro leitor, tenham certeza: desta vez será muito mais importante ganhar em outubro nas eleições, de goleada se possível, do que no Qatar, em dezembro.

O hexacampeonato pode esperar. A fome não.

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