Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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No futebol, escritas viram tabus e lendas passam a ser verdades indiscutíveis

Uma das mais consagradas lendas acaba de ser revivida nesta Folha em reportagem sobre o espanhol Adelardo Rodríguez

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A primeira vez em que ouvi falar de tabu foi em meados dos anos 1960, quando começou a ficar escandaloso o fato de o Corinthians não ganhar do Santos.

Em 1968, depois de 11 anos, a vitória veio por 2 a 0, e a Fiel teve a cara de pau de sair do Pacaembu cantando "um, dois, três, o Santos é freguês".

Só dois anos depois aprendi com a magnífica professora de antropologia Ruth Cardoso que tabu significa alguma coisa proibida, a aproximação ao sagrado, o tabu do incesto, por exemplo, que varia entre as culturas, mas existe em todas.

Ora, vá convencer alguém que o América não acaba de quebrar tabu de seis anos e 21 jogos sem vencer o Atlético Mineiro; ou que o Botafogo não fez o mesmo com o Flamengo depois de quatro anos e nove jogos, com oito derrotas. Ou que em sua décima tentativa, enfim, o Fluminense quebrou o tabu de não ganhar nem sequer um ponto na nova casa do Palmeiras.

Jogadores do Botafogo celebram a vitória sobre o Flamengo no Brasileiro
Jogadores do Botafogo celebram a vitória sobre o Flamengo no Brasileiro - Adriano Machado - 8.mai.2022/Reuters

Escrita virou tabu na linguagem do futebol, e não se fala mais nisso, razão pela qual a rara leitora e o raro leitor vão ler e ouvir muitas vezes, na semana que vem, o Majestoso em Itaquera ser tratado como o da possibilidade de o São Paulo quebrar o tabu de jamais ter vencido lá —oito anos e 15 jogos, com dez vitórias corintianas.

E as lendas que viram verdade?

Uma das mais consagradas acaba de ser revivida nesta Folha pela bela reportagem de Bruno Rodrigues sobre o espanhol Adelardo Rodríguez, autor de dois gols que eliminariam a seleção brasileira da Copa do Mundo de 1962, no Chile, ainda na fase de grupos e impediriam o bicampeonato.

Eliminariam e impediriam porque decretariam o 2 a 0, já no segundo tempo, com o time canarinho sem Pelé.

Eliminariam e impediriam porque dos dois gols só valeu o primeiro, embora ninguém saiba até hoje o motivo da anulação do segundo, absolutamente legal, de lindo voleio.

Basta acionar o YouTube e constatar.

No Brasil, no entanto, o lance que virou verdade daquele jogo que terminou com a virada por 2 a 1, com dois gols de Amarildo, exatamente o substituto de Pelé, é outro: o do pênalti que teria sido feito por Nilton Santos, apelidado de Enciclopédia do Futebol, sobre Enrique Collar e não marcado pelo árbitro chileno Sergio Bustamante.

Adelardo não tem dúvida que houve o pênalti assim como a suposta vítima, Collar. E mesmo Nilton Santos jamais negou, preferiu a fama pela esperteza de ter dado dois passos para fora da área e induzir o juiz a erro. Balelas!

Nilton Santos, de fato, dá dois pequenos passos, mas fica em cima da linha da área, e na linha é pênalti.

Ou seja, a malandragem tão aplaudida e ao gosto nacional de nada valeria.

Só que o melhor não é nem isso: o melhor é que não houve pênalti nenhum porque, insisto, veja no YouTube, Collar mergulha em cima do lateral esquerdo brasileiro.

Também de nada adiantará a constatação porque todos os envolvidos garantem de ter sido pênalti.

Da cobrança da falta fora da área, então, nasce o lance do gol mal anulado.

Difícil acreditar que a Copa não estivesse encomendada para o Brasil vencer.

Porque na semifinal Mané Garrincha foi expulso e, por falta do testemunho do bandeirinha uruguaio Esteban Marino, pôde jogar a final.

Marino vira e mexe apitava no Campeonato Paulista e teria sido rapidamente posto num avião Santiago-Montevidéu por Paulo Machado de Carvalho, o Marechal da Vitória.

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