Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Juliana de Albuquerque
Descrição de chapéu

Shakespeare e a atualidade

'Não foi por amar menos a César, mas por amar Roma ainda mais', justificou Bruto

Nesta segunda-feira, em Porto Alegre, José Francisco Botelho (colunista da Veja e do Estado da Arte) lança mais uma tradução de Shakespeare pela editora Penguin/Cia. das Letras. Trata-se da célebre “Tragédia de Júlio César”, cujo enredo traz relevante mensagem a todos que buscam sentido no atual momento político brasileiro. 

O poder a que César se arvorou, apesar de sua popularidade, constituiu-se em ameaça à estabilidade das instituições republicanas. Por isso, foi assassinado. Mas sua morte, em vez de garantir a prosperidade da república, emprestou causa a uma guerra que levou à instauração da temida, porém historicamente 
inevitável, monarquia romana. 

Entre os assassinos de César, destaca-se Marco Bruto, que, apesar de seu amigo, decidiu apoiar os conspiradores ante a intransigência e vocação do ditador romano para formar espúrias alianças políticas.

Grave ameaça aos valores da república, denunciada em discurso aos seus concidadãos: “Se houver, nesta assembleia, algum zeloso amigo de César, a ele eu assevero que a amizade de Bruto por César não era menor que a sua. Se esse amigo então perguntar por que Bruto se ergueu contra César, esta é a minha resposta: não foi por amar menos a César, mas por amar Roma ainda mais”.

O drama de Bruto, fundamental para o entendimento da peça e, talvez, para a compreensão do que se passa no Brasil de hoje, entre os muitos admiradores de figuras políticas carismáticas, resume-se à 
escolha de fazer o que exige a cidadania ou sucumbir à tirania das paixões, pondo em risco a própria liberdade. Questão suscitada por Bruto à multidão: “Preferiam ter César vivo e morrer como escravos ou ver César morto e viver em liberdade?”.

Difícil saber quais serão as consequências da prisão de Lula para a política do nosso país. Em suas histórias recentes, Israel e Coreia do Sul também viveram momentos de instabilidade política causados por corrupção. Para quem não recorda, em julho do ano passado, o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert foi solto após cumprir um ano e quatro meses de prisão por fraude e corrupção passiva. Já na semana passada, a presidente impedida da Coreia do Sul Park Geun-hye foi sentenciada a 24 anos de cadeia por seu envolvimento em escândalos de corrupção.

Tanto em Israel como na Coreia do Sul, a prisão destes líderes serviu para mostrar que ninguém, independentemente da sua posição social ou política, resta impune. Agora, especula-se que, cedo ou tarde, Binyamin Netanyahu será obrigado a abrir mão do poder para defender-se contra acusações de corrupção. Mas o que virá depois de Bibi?

Na Coreia do Sul, até agora, apesar da grande comoção causada por seu julgamento, a consequência da prisão de Park Geun-hye foi a ascensão da oposição de cunho liberal, cuja principal plataforma política promete “um governo limpo”. Será isto factível? 

Diante de um universo de possibilidades históricas boas e más, resta-nos apenas a opção de comungar com José Francisco Botelho quanto a Shakespeare. “A peça não se fixa em nenhuma interpretação definitiva sobre os personagens e seus conflitos. Afinal, para Shakespeare, o idioma da política é necessariamente enviesado, como um pequeno jato de luz que só pode —e só quer— clarear pedaços seletivos e insuficientes da realidade.”

twitter.com/the_stardust

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