Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Juliana de Albuquerque

MeToo e feminismo: verso e anverso

Movimento corre risco de se tornar arbitrário e radical

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Em janeiro deste ano publiquei no Estado da Arte um ensaio sobre as críticas de artistas e intelectuais mulheres ao movimento MeToo; responsável, entre outras coisas, por revelar os escândalos de assédio e abuso sexual protagonizados pelo produtor de cinema  americano Harvey Weinstein.

Na época, uma das mais perspicazes críticas ao movimento partiu da escritora canadense Margaret Atwood, autora de romances como “O Conto de Aia”, cuja versão para televisão, “The Handmaid’s Tale”, produzida pelo serviço de streaming Hulu, encontra-se disponível no Brasil no canal pago Paramount Channel.

Segundo ela, o movimento MeToo correria o risco de subverter os seus ideais e tornar-se instrumento de verdadeira caça às bruxas, ensejando oportunidade aos antifeministas de reviver o mito ancestral de que mulheres seriam incapazes de razoabilidade e que, por isso, não seriam elas competentes o suficiente para participar dos processos decisórios em suas sociedades.

Margaret Atwood nos Emmy Awards
Margaret Atwood nos Emmy Awards - REUTERS

Mas, se em janeiro a crítica de Margaret Atwood soava profética, esta finalmente realizou-se em agosto, quando o jornal The New York Times publicou duas histórias envolvendo a atriz italiana Asia Argento, uma das porta-vozes do movimento MeToo, e a estrela acadêmica americana Avital Ronell, acusadas de crimes idênticos aos cometidos por predadores homens. 

A primeira, acusada de forçar relações sexuais com um ator menor de idade e, a segunda, recentemente suspensa do cargo de professora de alemão e literatura comparada na Universidade de Nova York.

Ao comentar sobre os escândalos, a crítica cultural Laura Kipnis reflete sobre a importância desses eventos em desfazer a crença do virtuosismo feminino, revelando que tanto nós mulheres, como os homens, somos capazes de agir compulsivamente e de nos aproveitarmos de situações de poder para saciar apetites. 

Afinal, quem não se lembra da parábola de José e a esposa de Potifar e de tantos outros exemplos da literatura clássica ou do filme “Assédio Sexual” (1994), em que o personagem de Michael Douglas vê-se desacreditado pela família e os colegas de trabalho ao tentar provar o assédio praticado por Demi Moore no papel de sua chefe.

Talvez, por isso mesmo, Kipnis ressalte a importância de se contextualizar acusações de assédio, afirmando que, nesses casos, nunca é fácil de se determinar quem fez o quê a quem. Pois, na vida faz-se sempre necessário questionar as nossas reações e nos colocar no lugar do outro para evitar injustiças.

Ironicamente, a maioria dos intelectuais que assinaram a carta de apoio a Avital Ronell parece ter-se esquecido deste princípio, relativizando-o. Cumprindo a máxima de autoria desconhecida, “aos meus amigos, tudo; aos meus inimigos, a lei.”

As manifestações de apoio a Avital Ronell no movimento feminista insinuam-se de extrema gravidade. Há quem critique a condenação de Ronell em processo acadêmico alegando que entre uma professora lésbica e um doutorando abertamente homossexual, a transgressão de comportamento deveria ser vista como uma expressão cultural.

Tal defesa reveste-se de hipocrisia em claro assalto à dignidade de jovens estudantes que normalmente encontram-se submetidos ao orientador e que, muitas vezes, são vítimas de assédio sexual e psicológico. 

Assim, ou o feminismo em as suas várias matizes amadurece e assume uma verdadeira reivindicação por justiça e mudança social ou, inevitavelmente, vai afastar-se das demandas da mulher e do homem comum para tornar-se arbitrário e radical em suas manifestações.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado na coluna, o filme estrelado por Michael Douglas e Demi Moore se chama "Assédio Sexual" no Brasil, e não "Revelação". 

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