Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Juliana de Albuquerque

Reflexões de uma brasileira de hoje

Necessário reconhecermos o que há de especifico em nossa situação nacional

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Neste meu último final de semana em Recife, aproveito para escrever sobre um evento que marcou a minha viagem. Acredito que, talvez, ao relatar esta experiência, possamos refletir sobre o estado das coisas que tanto aflige o leitor.

A inspiração para tal me chegou durante o lançamento do livro "Problemas Inculturais Brasileiros", uma coletânea de ensaios e artigos de Osman Lins, escritor e crítico cultural pernambucano, cujas ruminações são de fundamental importância para entendermos os desvios de comportamento que atrapalham o amadurecimento da nossa democracia, alertando-nos de que existiria uma ligação entre a má-formação intelectual do brasileiro e o seu apego pelo anacronismo ideológico e a fantasia.

Retrato em preto e branco de homem de terno e gravata, com mão no queixo, segurando haste de óculos; ele tem bigodes e olha para a câmera; ao fundo, uma estante com livros
O escritor brasileiro Osman Lins (1924-1978) - Reprodução

Decerto não somos únicos no mundo em reter uma parcela de população instruída, embora ignorante. Em nove anos fora do país, atrevo-me a dizer que o nível das sociedades com as quais convivi também deixa a desejar. Afinal, em todo lugar, o homem é refém do descompasso entre o seu vasto acesso à informação e a ausência de ferramentas para lidar com elas; restringindo sobremaneira a sua compreensão da realidade. 

Porém, considero necessário reconhecermos o que há de específico em nossa situação nacional para rompermos os grilhões da imbecilidade.

Nesta semana, questionei os alunos da minha antiga escola sobre a diferença fundamental entre o discurso literário e o discurso político que havíamos acabado de testemunhar durante o debate entre os candidatos aos cargos de deputado estadual e federal.

Propus aos estudantes que começássemos a pensar a literatura como algo que desperta o nosso interesse pelas nuances de expressão que nos permitem identificar e refletir sobre diferentes contextos da conduta humana.

Ora, ao invés da superficialidade e da pobreza argumentativa dos discursos políticos que atrofiam a nossa visão de mundo, a literatura se presta à formação de uma sensibilidade mais aguçada, necessária à boa formação da consciência crítica do indivíduo.

Imagino que seja neste sentido que Osman Lins se refira à tarefa do escritor em "Livro -- Convite à Liberdade": "O escritor não quer os recursos que estonteiem, embalem, magnetizem os receptores da mensagem. Ele quer mantê-los tanto quanto possível vigilantes, numa atitude crítica. (...) Para os que não querem de modo algum restringir a capacidade crítica dos seus destinatários, nenhum outro veículo mais perfeito que o texto impresso. E, entre os textos impressos, o livro -- instrumento unificador, pessoal e franco."

Para finalizar, neste período de plena convulsão eleitoral, gostaria de chamar atenção para mais um texto de Osman Lins da década de 1970, em que o autor descreve com precisão e fina ironia a infantilização do brasileiro alimentada pelo credo de ideologias reacionárias.

"O Voto Baseado em Fotos" faz gozação das infames eleições surdo-mudas do regime militar, de maneira a nos fazer pensar sobre o processo democrático atual tão fragilizado por boatos e notícias falsas. Diz-nos o autor: "Vive-se num mundo tão repetitivo, tão amigo dos plágios, que o convite à fantasia logo desperta a nossa adesão. (...) Enfim: nunca uma eleição ofereceu ao homem de espírito oportunidade tão fascinante. (...) Passaremos a atuar de modo criador, a fazer trabalhar a imaginação até agora adormecida. Participaremos da vida política do país como nenhum outro povo; elegeremos seres imaginários, seres criados por nós."

@the_stardust

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