Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

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Juliana de Albuquerque

Conselhos para concluir sua tese de doutorado no prazo

Bolsa de estudos não é 'vale-diversão' com múltiplas possibilidades de extensão: a universidade não lhe paga para ser gênio

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No dia 31 de dezembro, quando me sentei à escrivaninha para anotar minhas metas de Ano-Novo, uma porção de necessidades brotaram. Eu deveria praticar um esporte, cozinhar mais vezes por semana, perder peso e, quem sabe, ainda arrumar um tempinho para manter as unhas sempre feitas e concluir a leitura de "Em Busca do Tempo Perdido".

Nada disso, entretanto, apresentou-se de maneira tão premente como a conclusão da minha tese de doutorado, cuja entrega está marcada para outubro de 2020.

Ainda assim, ao comentar o assunto com uma colega de departamento, ela se mostrou alarmada, como se a vontade de concluir uma pesquisa no prazo estipulado pela bolsa fosse um descabimento: “Por que deveríamos nos sentir obrigados a concluir um doutorado em quatro anos?”.

Se você, leitor, também não sabe o porquê, eu explico. O mercado acadêmico é extremamente competitivo.

Para se ter noção dos desafios de um estudante de doutorado no exterior, basta consultar artigos em suplementos sobre educação, tais como o Inside Higher Ed e o The Guardian Higher Education. Alunos de pós-graduação ganham pouco, trabalham muito e não raro sofrem transtornos de saúde em decorrência de cobranças afetivas e inseguranças profissionais.

Sobre este último item, ressalto que nem todo estudante de doutorado será imediatamente absorvido por uma instituição logo após a aquisição de um título. Premiações, experiência em sala de aula, participação em conferências e, principalmente, publicações em boas editoras e periódicos de destaque são apenas alguns dos vários requisitos necessários para se conquistar um bom emprego.

Assim, encare o doutorado como o seu trabalho. Uma bolsa de estudos não é um “vale-diversão” com múltiplas possibilidades de extensão: a universidade não lhe paga para ser gênio. Excentricidades à parte, o dinheiro que você recebe está condicionado à execução de uma tarefa: a tese.

Lembre-se de que, ao ser contemplado com uma bolsa, você tirou a oportunidade de outros estudantes —tão bons quanto você— de realizar uma pesquisa no lugar onde desejavam.

Antes de montar seu projeto de pesquisa, assegure-se de que você está minimamente familiarizado com a bibliografia sobre o tema. No meu caso, em se tratando meu doutorado de uma pesquisa na área de ciências humanas, envolvendo um autor de língua estrangeira, precisei reler boa parte de sua obra no idioma original para captar nuances que antes me passaram despercebidas nas traduções.

Se você estiver se propondo a fazer algo semelhante e deixar para explorar o terreno durante o doutorado, é provável que jamais termine sua tese a tempo.

O domínio de uma matéria permite que você se sinta à vontade para avaliar o escopo do seu projeto. Conscientize-se de que, a partir do momento em que começar uma pesquisa, esse projeto deverá ser adequado à realidade do seu ritmo de trabalho e da quantidade de informações que você tem ao seu dispor: meça os seus passos! Afinal, nada é mais desgastante do que assumir o que não se pode executar.

Em dois anos de doutorado, meu projeto de pesquisa passou por revisões. Na primeira delas, identifiquei um autor principal a partir do qual trabalharia o meu tema. De início, eu me propunha a investigar o desenvolvimento de uma noção de autonomia mostrando a íntima ligação entre as ideias de quatro autores: Goethe, Hegel, Nietzsche e Freud. Hoje trabalho apenas com Goethe e uso os outros três como ferramentas abalizadoras.

Na segunda, reformei a ordem dos capítulos. No começo da pesquisa, eu pretendia iniciar a tese com uma comparação entre duas personagens femininas de um livro chamado "Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister". Essa decisão me permitiria discorrer sobre a influência de Goethe sobre aqueles autores. No entanto, como eu havia alterado o traçado da pesquisa, precisei mexer na ordem emprestada ao meu argumento principal.

Com isso, transferi o que seria meu primeiro capítulo para o centro da tese, pois me lembrei de um dos melhores conselhos que recebi da minha orientadora de mestrado: “Pense na estrutura da sua dissertação como quem desenha uma estrela. Adote um ponto central ('schwerpunkt'e ramifique seu argumento em pontos estratégicos.”

Por fim, compreenda que a tese é um trabalho realizado sob supervisão. Para colocar suas ideias em prática, faz-se necessário que você tenha um bom relacionamento com seu orientador.

Tornamo-nos cientes da qualidade deste relacionamento a partir dos comentários e críticas que recebemos por nosso trabalho. Um bom orientador critica a estrutura e o conteúdo de uma pesquisa a partir de critérios objetivos, como a qualidade ou a insuficiência de referências e a clareza na descrição de conceitos essenciais para o arrimo do seu argumento.

Assim como em uma terapia, toda orientação segue uma dinâmica de transferência e contratransferência. Ou seja, o estudante se apresenta para o orientador por um conjunto de atitudes assumidas ao logo da vida, e vice-versa. Talvez por conta disso escutemos histórias de orientações que desandaram completamente; transformando-se em relações de abuso, paixão e abandono.

Esse tipo de problema pode atrasar ou mesmo inviabilizar a conclusão de uma pesquisa, minando a capacidade do estudante em se posicionar perante seu orientador e os demais colegas.

Cada universidade tem suas próprias ferramentas para lidar com esse tipo de situação: mantenha-se informado! Hoje faço parte de uma instituição que estimula a mentoria acadêmica e projetos em co-orientação, além de oferecer ao estudante serviços de saúde e auxílio psicológico. Tudo isso para me assegurar de que sou capaz de cumprir minha promessa de Ano-Novo.

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