Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Juliana de Albuquerque

Empatia pode reforçar polarização política e esconder impulsos cruéis

Consequências psicológicas e sociais da identificação com o outro devem ser questionadas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Na semana passada, perguntei aos meus seguidores no Twitter o que eles pensam da empatia. Mais especificamente, procurei saber se a influência da empatia em nossas decisões seria positiva ou negativa. Das 368 pessoas que participaram da enquete, 79% afirmaram que seria positiva, enquanto 21% a negativaram.

Alguns seguidores comentaram a dificuldade em se posicionar de uma maneira ou de outra, optando pela positividade por desencargo de consciência. Outros, no entanto, decidiram não votar por entenderem que a empatia poderia nos influenciar tanto para o bem como para o mal.

Pessoalmente, opto por esse último posicionamento, embora a empatia seja majoritariamente aceita como um sentimento moral positivo. A sua restrita e enviesada expressão pode, muitas vezes, surtir uma influência deletéria em nosso clamor por justiça e equidade.

Prédio sede do STF refletido nos espelhos do Salão Nobre do Palácio do Planalto, do outro lado da Praça dos Três Poderes. - Pedro Ladeira/Folhapress

É do nosso interesse, portanto, como indivíduos e membros de uma comunidade, questionarmos os seus limites para combatermos um dos chavões da cultura de massa: a ideia de que nos tornamos pessoas melhores ao nos identificarmos na dor e no sofrimento do próximo.

De maneira simples, a empatia pode ser definida como a capacidade humana para viver de forma indireta os sentimentos de outro indivíduo. Entre outras coisas, é graças a essa capacidade que sentimos prazer na leitura de um romance.

No entanto, da mesma maneira que a identificação com as emoções e as circunstâncias de uma personagem não é suficiente para fundamentar o bom exercício da crítica literária, a empatia por si só também não empresta uma base sólida para todas as nossas práticas morais.

A amizade, por exemplo, é um relacionamento pautado no exercício da empatia. Identificamo-nos com os nossos amigos a ponto de, muitas vezes, experimentarmos suas alegrias e suas frustrações como se fossem nossas.

Se ligo para minha melhor amiga e ouço que ela chorou por causa de uma briga com o namorado, sinto a sua vulnerabilidade como se fosse minha e parto imediatamente para a sua defesa, dispensando o outro lado da história.

Mas, se adoto essa mesma postura ao ser intimada pelo Estado para exercer a função de membro de um júri, corro o risco de cometer uma injustiça. Ora, o filósofo americano Jesse Prinz adverte-nos, em “Against Empathy (contra a empatia), que é justamente o processo de identificação, característico da empatia, que determina os limites da sua empregabilidade em um contexto mais amplo —uma situação em que estão em jogo a reparação, o bem-estar e a liberdade de desconhecidos.

Nesses contextos, uma das maiores limitações da empatia estaria relacionada à sua predisposição para a parcialidade. Amparando o seu argumento em recentes estudos científicos, Prinz observa que indivíduos brancos estariam mais sensíveis às dores de outros brancos do que de pessoas negras ou asiáticas, e vice-versa. Um problema que, segundo ele, já teria sido identificado no século 18 pelo filósofo britânico David Hume, em cuja obra a empatia é definida como a base dos nossos julgamentos morais.

Outra interessante crítica ao conceito de empatia parte do pesquisador alemão Fritz Breithaupt, autor de “Die Dunklen Seiten der Empathie”(os lados sombrios da empatia, 2017), cuja nova edição revisada será publicada em língua inglesa ainda em maio deste ano.

Em artigo publicado em 2018, Breithaupt argumenta que, embora alguns intelectuais contemporâneos como Steven Pinker tomem a empatia como um dos principais fatores para a melhoria das nossas vidas, isso não quer dizer que ela não possa ser criticada por suas deficiências, como os riscos de sermos manipulados por pessoas com maior facilidade para expressar as suas emoções e de, através da nossa identificação com o próximo, adotarmos uma visão afunilada (“spotlight vision”) de circunstâncias complexas.

Breithaupt também destaca o papel da empatia na polarização de uma sociedade, tanto pela defesa de certos valores morais como de posicionamentos políticos. Segundo ele, em ambientes de conflito social, a empatia pode manifestar-se unilateralmente através de um processo em que primeiro adotaríamos a perspectiva do grupo com o qual nos identificamos e, depois, passaríamos a compartilhar das suas emoções.

Algo que acontece no Brasil, com a sectarização da sociedade em grupos de apoio e de defesa de figuras políticas como Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Também na expressão de posicionamentos cada vez mais acirrados em relação aos itens que caracterizam as agendas conservadoras e progressistas —como as discussões sobre o aborto e os direitos reprodutivos da mulher e sobre a luta por maior respeito e visibilidade das minorias.

Dito isso, de que maneira podemos superar as limitações da empatia para que estas não turvem, ainda mais, os nossos posicionamentos a ponto de acabarmos prejudicando quem realmente precisa de ajuda?

Uma solução bastante perspicaz é adotada pelo psicólogo Paul Bloom, autor de “Against Empathy: The Case for Rational Compassion(contra a empatia: por uma compaixão racional, 2016).

De acordo com Bloom, a nossa preocupação com a empatia deveria ser substituída por uma ideia de compaixão racional, ou seja, uma espécie de solicitude guiada pela razão. A refletir sobre a economia dos nossos posicionamentos.

Não há dúvidas de que as emoções desempenham um importante papel na constituição dos nossos julgamentos morais. No entanto, nos esquecemos com frequência do inerente estado de confusão e ambivalência dessas. Não raro algumas emoções empáticas, compreendidas como expressões de simpatia, ocultam impulsos de crueldade que nos passam despercebidos.

Os alemães traduzem esse sentimento em uma palavra: “Schadenfreude”, isto é, o prazer que experimentamos ao testemunhar a desgraça de outra pessoa. Assim, não é o nosso impulso para compartilhar do sofrimento e da indignação alheios que nos transforma em pessoas melhores, mas a nossa capacidade para questionarmos e aprendermos a lidar com a empatia através do bom uso da razão.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.