Juliana de Albuquerque

Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Juliana de Albuquerque

Afinal, quanto deveria custar um livro?

Coloquei na ponta do lápis o que costumo gastar com livros; sugiro ao leitor que faça o mesmo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em ensaio de 1946 para a revista Tribune, George Orwell contesta a crença de que a leitura seria um hábito caro e praticamente impossível de ser cultivado pelos trabalhadores. O motivo para esse debate surge logo no primeiro parágrafo do texto, em que o autor nos comunica o seguinte episódio:

“Há uns dois anos, um amigo meu, editor de jornal, estava pesquisando possíveis incêndios provocados por bombas junto com alguns operários fabris. Eles acharam de falar sobre o jornal dele, que a maioria lia e aprovava, mas, quando ele lhes perguntou o que achavam da seção literária, a resposta que obteve foi: ‘Você não acha que lemos aquele negócio, não é? Ora, a metade do tempo vocês falam sobre livros que custam 12 xelins e 6 pence! Caras como nós não podem gastar doze xelins e seis pence com um livro.’ Meu amigo me disse que eram homens que não viam problema em gastar várias libras numa excursão de um dia a Blackpool”.

Ao longo do ensaio, munido de informações sobre os gastos anuais do inglês médio com álcool e cigarros —£23 por ano, segundo as estatísticas oficiais da época ou, até mesmo, £40 pelos cálculos do escritor— Orwell compara esse valor à quantia que ele mesmo gastava com livros, incluindo a assinatura de periódicos, bem como o seu cadastro em bibliotecas públicas e particulares: £25 por ano (£1 em 1946 corresponde a £42,16 hoje, cerca de R$ 305).

Diante desses números, Orwell comenta que deveria haver algo de errado em um país como a Inglaterra, onde, apesar da grande maioria da população ser alfabetizada, o consumo per capita de livros não ultrapassava a 3 exemplares por ano, o que, segundo o autor, não excederia o montante de £1 libra. Isto, para chegar à conclusão de que:

“Se a minha estimativa está mais ou menos certa, não é uma estatística de se orgulhar para um país que é quase 100% alfabetizado e onde o homem comum gasta mais em cigarros do que um camponês indiano tem para se sustentar. E se o seu consumo de livros permanece baixo como era, ao menos admitamos que é porque a leitura é um passatempo menos excitante do que ir à corrida de cães, ao cinema ou ao pub, e não porque os livros, comprados ou tomados emprestados, sejam caros demais.”

Sempre que tento me convencer de que os livros são excessivamente caros, lembro-me deste ensaio. Durante toda minha vida, o consumo de livros e de informação exigiu planejamento, envolvendo desde a disponibilidade de tempo para frequentar bibliotecas até a aptidão para negociar descontos e métodos de pagamento com pequenos livreiros e alfarrabistas.

Até há pouco, adquirir um livro significava, para mim, ter de escolher entre a necessidade de acesso à leitura e a possibilidade de confraternizar com os amigos ou de comprar uma roupa nova. Significava, também, para os meus pais, ter de equilibrar os seus próprios desejos por leitura e entretenimento.

Não foram poucas as vezes que entramos em uma livraria para ler o que lhes interessava, saindo de lá, depois de algumas horas, somente com um livrinho para mim. Se, na época, aquilo me parecia normal, hoje compreendo que a atitude dos meus pais implicava uma série de sacrifícios ainda mais pesados do que aqueles que me eram impostos na infância.

No entanto, como tive a sorte de crescer no centro da cidade do Recife, frequentei desde cedo a Biblioteca Pública do Estado, havendo tido, também, a oportunidade de conhecer as grandes livrarias da época —Saraiva, Livro Sete e Imperatriz— assim como os vários sebos espalhados pelo bairro da Boa Vista: os que não resistiram a passagem do tempo, ao exemplo do Sebo Brandão, pertinho de onde viveu a escritora Clarice Lispector, e aqueles que ainda permanecem firmes, como a Livraria Progresso e os quiosques da Praça do Sebo, onde aprendi aos trancos e barrancos que faz parte da vida de um leitor ativo e dedicado saber negociar a troca e a venda da própria coleção.

Um reflexo dessa minha experiência de menina é que ainda hoje eu costumo calcular as minhas despesas com entretenimento de acordo com o tempo e o dinheiro que eu poderia estar gastando com um livro.

Isto não quer, necessariamente, dizer que o livro seja um artigo de luxo, nem que os meus pais vivessem permanentemente com a corda no pescoço; apenas que, no Brasil, muitos dos consumidores de livros ou passam por momentos de aperto econômico ou já nasceram na penúria.

Daí o motivo pelo qual devemos defender a isenção de impostos sobre os livros. Além, obviamente, de instruir uns aos outros a buscar soluções menos dispendiosas ou até mesmo gratuitas de acesso à leitura.

Afinal, quanto deve custar um livro? Recentemente, na tentativa de desfazer o mito de que o livro impresso no Brasil seria excessivamente caro, o presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Marcos Pereira, explicou em entrevista para o podcast Café da Manhã, da Folha, que nos últimos 15 anos o livro teria sofrido uma diminuição de 30% no seu preço de capa. Demonstrando que, em nosso país, o preço do livro não acompanha a inflação.

No seu ensaio, Orwell comenta da dificuldade em se estipular o preço do livro sem levarmos em consideração o valor que dele podemos extrair. De fato, muitas vezes olho para os meus livros prediletos e surpreendo-me com o pouco que por eles paguei diante dos benefícios que me legaram.

Portanto, se alguém me pergunta quanto deveria custar uma cópia de “A Princesa Casamassima”, eu realmente não saberia dizer. Penso que, por um aspecto, ela devesse ser gratuita, por se tratar de um romance essencial para a compreensão da nossa época. Por outro, admito que se o livro estivesse à venda pelo dobro do preço ainda assim eu faria um esforço para adquirir um exemplar.

Orwell, no entanto, adverte-nos de que esse tipo de raciocínio pode nos levar a um beco sem saída, preferindo considerar o livro de forma objetiva, comparando-o com outras fontes de entretenimento, convidando-nos a confrontar as nossas prioridades para que, finalmente, possamos chegar a uma conclusão sobre a porção do nosso orçamento destinada à nossa biblioteca.

Assim, coloquei na ponta do lápis o que costumo gastar com livros anualmente e descobri que permanece verdadeira a provocação de Orwell de que a leitura ainda seria uma das formas menos custosas de entretenimento. Sugiro ao leitor desta coluna que faça o mesmo.

Ou seja, que calcule a sua despesa anual com livros e compare-a com outras despesas destinadas ao lazer. Quem sabe assim possamos desfazer o mito igualmente denunciado por Lima Barreto em “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”. Ora, livro não é coisa somente de elite ou de bacharel!

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.