Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Qual é o custo político do preconceito?

O mais surpreendente é constatar que há um preconceito irracional e generalizado pelos evangélicos

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O mais surpreendente sobre o fenômeno evangélico no Brasil não é seu crescimento exponencial nas últimas décadas ou qual "a cara" desse grupo, que hoje representa um em cada três brasileiros, seja preta, pobre, periférica e majoritariamente feminina. Nem que há algumas décadas cientistas sociais tenham descrito esse fenômeno como sendo modernizante e capaz de elevar os pobres à classe média.

O mais surpreendente é constatar que intelectuais, formadores de opinião e jornalistas em geral nutrem um preconceito irracional e generalizado pelos evangélicos. Conforme escreveu o sociólogo americano David Smilde, que estudou pentecostalismo na Venezuela, para a maioria dos intelectuais "na melhor das hipóteses, o movimento evangélico é uma expressão de inutilidade; na pior, de imperialismo cultural".

Grupo de pessoas sentadas em bancos dentro de uma igreja. Em destaque, uma mulher está com os braços erguidos
Culto no Templo Central Da Assembleia de Deus, em Belem (PA). - Thiago Gomes - 11.nov.2019/Folhapress

Os quatro anos de bacharelado em história na USP não me prepararam para o choque cultural de viver em um bairro na "periferia da periferia" de Salvador. A minha pesquisa de doutorado não era sobre religião, mas é impossível estudar o Brasil popular hoje sem considerar esse fenômeno.

Em termos de religião, havia no bairro uma igrejinha católica, nove terreiros de candomblé e mais de 80 igrejas evangélicas das mais diversas denominações e tamanhos, presentes em quase todas as ruas.

Essas igrejas locais cumprem a função de Estado de bem-estar social informal. Dentro, as pessoas são tratadas pelo nome e suas crianças têm atividades no contraturno escolar enquanto os pais trabalham. E a rede de ajuda mútua se articula para oferecer cesta básica a quem precisa, ajuda a encontrar emprego e viabiliza internações e consultas com especialistas.

Por que, então, pessoas identificadas com valores como justiça social e combate à desigualdade continuam míopes em relação às consequências positivas desse fenômeno de dimensões nacionais? A minha conclusão vem de 18 meses vivendo nesse bairro de Salvador e do trabalho de pesquisadores que estudam camadas populares urbanas no Brasil.

Claudia Fonseca, uma das antropólogas mais importantes em atividade no país, comparou a separação entre brasileiros das camadas médias e altas e o "Zé Povinho" com o apartheid, o regime segregacionista implantado por muitos anos na África do Sul. Ela escreveu que o abismo entre classes no Brasil é tão agudo que esses mundos só se encontram em duas ocasiões: quando patrões e empregada conversam na cozinha durante o café da manhã e em situações de assalto.

O preconceito é de classe. Quanto mais perto o pobre está fisicamente, mais ele incomoda e é "patologizado" por ser "muito barulhento", "muito sexualizado", "muito religioso", "alienado", "despreparado", "não saber votar" e "ter família desestruturada". Mas o pobre evangélico não aceita ser tratado como criança ou vitimizado e por isso é visto como alguém, "ousado" que "não sabe seu lugar".

Por causa da atitude desinformada e preconceituosa dos intelectuais em relação ao cristianismo, líderes religiosos e pastores midiáticos se apresentam convincentemente para a sociedade como porta-vozes dos evangélicos, um grupo que é gigante e muito diverso. E ao associar qualquer evangélico a Malafaias, Macedos e Felicianos, esses intelectuais entregam (na prática, empurram) 60 milhões de brasileiros para o colo de políticos conservadores.

O resultado da eleição de 2018 é uma consequência dessa atitude. O Datafolha cruzou dados coletados sobre intenção de voto e religião na véspera do segundo turno. Todos os principais grupos religiosos se dividiram entre Haddad e Bolsonaro, menos os evangélicos, que preferiram majoritariamente o ex-capitão.

No início do ano em 2018, quase ninguém acreditava que o candidato azarão, sem tempo de TV, fosse ser eleito. Foi.

Este ano, pesquisas apontam que a preferência entre evangélicos está dividida entre Lula e Bolsonaro. Mas é importante considerar duas coisas: o esforço dos pastores midiáticos, com milhares de seguidores na internet, para demonizar a esquerda, e o fato de que para evangélicos pobres, Lula e Bolsonaro não são antípodas. Eles são alternativas, cada qual com vantagens e desvantagens.

E ainda estamos a oito meses do segundo turno.

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