Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer
Descrição de chapéu desigualdade de gênero

Estude os pentecostais ou feche o seu negócio

Visto como retrógrado e fundamentalista, o pentecostalismo promoveu a igualdade racial e de gênero muito antes de legislações modernas

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O pentecostalismo é o único ramo do cristianismo, em mais de 2.000 anos de história, fundado por um afrodescendente. Ao emergir em 1906 nos EUA, seus representantes estabeleceram relações igualitárias entre homens e mulheres nas igrejas, 14 anos antes de as mulheres estadunidenses conquistarem o direito ao voto. E reuniu pessoas de todas as raças e origens nas mesmas igrejas em um país em que pretos e brancos, por lei, não se misturavam.

Os chamados "reavivamentos" religiosos são comuns na história do cristianismo. Um exemplo mencionado nos manuais escolares é o do movimento anabatista durante a Reforma Protestante, no século 16. Comunidades rurais se sublevaram e questionaram a ordem social a partir da contestação da religiosidade institucionalizada, erudita e hierarquizada, propondo um retorno a experiências mais diretas e emocionais (extáticas) com Deus.

O protagonista da "narrativa fundante" do pentecostalismo é o pastor William Seymour, filho de escravos que cresceu em situação de pobreza na zona rural do sul dos EUA. Em 1906 ele se mudou para Los Angeles e iniciou seu trabalho evangelizador em círculos de oração na casa de fiéis. O número de participantes não parou de crescer e, em poucos meses, milhares de pessoas se aglomeravam dentro e fora de uma igreja abandonada, na rua Azusa, para acompanhar os cultos.

Culto da Igreja Pentecostal Templo dos Milagres na quadra da Grande Rio, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense
Culto da Igreja Pentecostal Templo dos Milagres na quadra da Grande Rio, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense - 3.mar.21/Reprodução

A síntese religiosa apresentada por Seymour causou desconforto no ambiente letrado do cristianismo tradicional estadunidense e os encontros na rua Azusa foram descritos em um jornal da época como "uma fusão nojenta de superstição vudu africana e insanidade (branca) caucasiana".

A mistura de influências do pentecostalismo inclui uma liturgia fervorosa, participativa e emotiva, herdeira do ambiente animado, musical e místico do cristianismo dos negros do sul dos EUA. Junte a isso a adoção de uma conduta moral "pura" inspirada no cristianismo primitivo. E também a presença de práticas "mágico-religiosas" segundo o jargão sociológico, como: profetização, glossolalia ("o falar em línguas por inspiração do Espírito Santo") e testemunho de eventos e curas milagrosas.

Porque o pentecostalismo é um movimento e não uma igreja. Ele se internacionalizou rapidamente a partir de ações empreendedoras voluntárias que, em vez de padronizar práticas, fomentou a diversidade.

É notável que em 1910 e 1911 o pentecostalismo tenha estabelecido igrejas, por ações missionárias independentes, no Brasil: a Congregação Cristã no interior do Paraná e a Assembleia de Deus em Belém do Pará. É também surpreendente a originalidade desses experimentos.

Ninguém recebe para trabalhar na Congregação Cristã e os fiéis que se envolvem com política são afastados de posições de liderança na igreja. Assembleianos podem ser remunerados e parlamentares ligados a essa igreja formam, junto com deputados da Igreja Universal do Bispo Macedo, o núcleo da chamada bancada evangélica.

A despeito da desconfiança de intelectuais, religiosos ou não, o pentecostalismo é um dos principais fomentadores da revitalização do cristianismo a partir do século 20. A liturgia que fala de dilemas presentes, o ambiente animado, o uso da música popular são características, por exemplo, do trabalho evangelizador de católicos midiáticos como os padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo.

É um fenômeno planetário que tem mais elementos a serem observados do que cabe na imagem simplificada do fanático. Por exemplo, sua relação com a religiosidade e as condições de vida dos afrodescendentes nas Américas.

O teólogo Marco Davi Oliveira descreveu em 2015 o pentecostalismo como "a religião mais negra do Brasil". Em 2019, o instituto Datafolha apresentou a cara do evangélico brasileiro como sendo preto ou pardo, pobre, periférico, jovem e majoritariamente do sexo feminino.

Por causa de sua origem popular —barulhenta, intensa, emotiva e pouco escolarizada—, pentecostais são criticados e atacados dentro e fora do protestantismo. Esses ataques contrastam com o argumento do sociólogo da religião David Martin. Ele escreveu que o pentecostalismo é um fenômeno modernizante e que tem potencial para elevar os pobres à classe média.

Dos 42 milhões de evangélicos brasileiros mapeados pelo Censo de 2010, 25 milhões eram pentecostais. É por causa do crescimento desse grupo que o demógrafo José Eustáquio Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, calculou que o número de protestantes ultrapassará o de católicos no Brasil até 2032.

Por tudo isso e por outros motivos que não cabem no espaço desta coluna, já não é viável, nem razoável, nem prudente criar planos de negócios, desenhar campanhas de mídia, elaborar programas de TV para grandes audiências ou projetos de marketing político no Brasil sem conhecer quem são, escutar o que pensam e buscar diálogos com evangélicos pentecostais.

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