Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer
Descrição de chapéu Eleições 2022

Evangélicas podem decidir a eleição

Entre os evangélicos, quem mais rejeita Bolsonaro são as mulheres. Mas, como vimos em 2018, é mais fácil para a esquerda atacar do que dialogar com elas

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Provável adversário de Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial neste ano, Lula é o candidato que poderia tirar maior proveito da rejeição das mulheres evangélicas a Bolsonaro e também o que terá maior dificuldade para fazer isso.

As tensões entre evangélicos e a esquerda vêm de vários motivos, principalmente as visões divergentes sobre as pautas de costumes. Mas evangélicos pobres são em geral mais interessados e participativos politicamente do que a maioria dos brasileiros na base da pirâmide social brasileira.

Evento para mulheres na igreja Assembleia de Deus, na Penha, no Rio de Janeiro - Zo Guimaraes - 18.out.2021/Folhapress

Em termos de visões de mundo e costumes, as lógicas e relações sociais do pobre brasileiro lembra sociedades conservadoras e tradicionalistas como a turca e a indiana. Veja, por exemplo, o caso da pessoa que chamarei de Raiane (para proteger sua identidade). A família dela, como outros milhões de brasileiros, é pobre de origem rural que se mudou para a cidade há poucas décadas.

Em 2014, ela tinha 22 anos e era vista como rebelde especialmente pela mãe, por ter gastado suas economias para estudar e se desenvolver profissionalmente. Veja o relato de Raiane:

Raiane conta que sua mãe estaria contente com ela se, em vezes de terminar o ensino médio, "eu casasse, já tivesse um filho e só um emprego ali na localidade mesmo. Somente isso." Para essa mãe, ter a ambição de estudar e ter uma carreira leva a mulher "a se perder".

Esse trecho da entrevista com Raiane, que não é evangélica nem vem de uma família evangélica, serve de referência para falar sobre como a conversão evangélica tende a fortalecer socialmente as mulheres. Esse é um tema importante, mas pouco conhecido e discutido fora dos círculos acadêmicos que estudam religião.

Evangélicas geralmente são descritas como mulheres submissas, e suas igrejas, como instituições que promovem valores patriarcais, mas, durante 18 meses de pesquisa de campo, observei mulheres evangélicas do mesmo bairro pobre em que Raiane vive sendo mais motivadas nas igrejas e pelas famílias a seguir carreiras, se aperfeiçoarem profissionalmente e, com isso, tirarem melhor proveito das vantagens oferecidas pelo trabalho formal.

É evidência dessa maior dedicação à carreira, por exemplo, que alguns dos principais empregadores da região disponibilizam regularmente salões em seus estabelecimentos para a realização de cultos durante os turnos. Assim, seus empregados evangélicos –vigias, copeiras, cozinheiras, faxineiras– não precisam optar entre emprego e prática religiosa.

Esse dado torna-se ainda mais relevante neste ano eleitoral considerando que a maior rejeição a Bolsonaro entre evangélicos vem de mulheres.

"O desempenho de Bolsonaro sempre foi muito ruim entre as mulheres em geral, inclusive entre evangélicas," explica Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER). Ela acrescenta que essa rejeição foi um dos motivos para pesquisas eleitorais no início do ano terem registrado empate técnico entre Bolsonaro e Lula entre eleitores evangélicos.

A reserva que a mulher evangélica tem por Bolsonaro não é novidade. A antropóloga Jacqueline Teixeira falou, em uma entrevista concedida ao El Pais em 2019 e que merece ser relida hoje, sobre o esforço de mulheres da Igreja Universal para evitar que a organização a que elas pertencem abraçasse a campanha de Bolsonaro em 2018.

A maioria dos evangélicos são mulheres –na igreja Universal, por exemplo, elas representam 70% dos fieis– e elas são também muito ativas nos trabalhos para manter e promover suas igrejas. E é por terem essa importância estratégica que, para Magali Cunha, a missão da ex-ministra Damares Alves nesta campanha será reverter a rejeição das evangélicas por Bolsonaro.

Damares conquistou a confiança desse grupo por sua atuação à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, defendendo projetos voltados para a saúde da mulher e à promoção de direitos humanos segundo valores da família tradicional.

A dificuldade de Lula para chegar a essas mulheres vem, primeiro, da falta de interlocução. A outra mulher que tem, como Damares, prestígio entre evangélicas, é Marina Silva, que foi ex-ministra de Lula, candidata à presidência três vezes e conhece o mundo evangélico pentecostal de dentro. Mas apesar de Marina estar muito mais próxima ideologicamente da esquerda do que Geraldo Alckmin, o desentendimento entre ela e o PT não foi contornado.

O cientista político Vinicius do Valle, doutor pela USP, resumiu outro aspecto do dilema do PT: querer conquistar votos de evangélicos, um segmento que quer discutir a pauta moral, mas a partir de pontos de vista totalmente divergentes do de petistas e simpatizantes.

Em resumo: mulheres evangélicas constituem um grupo estratégico e que está insatisfeito com Bolsonaro. Mas como construir pontes de diálogo com elas quando a meta dos candidatos de esquerda nessa eleição é não deixar a pauta moral ocupar o centro do debate político, e, em paralelo, evitar que sua militância aprofunde o antagonismo com evangélicos durante a campanha?

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