Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Casos de MEC, Caixa e TSE mostram que precisamos qualificar o debate sobre religião

Por falta de repertório analítico, episódios raramente são abordados como um fenômeno social milenar, complexo e multifacetado

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Religião tem sido um dos temas centrais do debate eleitoral em 2022. Só nas últimas semanas, as manchetes dos jornais destacaram o escândalo do MEC associado ao pastor Milton Ribeiro, a demissão do presidente da Caixa por denúncias de assédio (que aconteceu para blindar o presidente da crítica de mulheres evangélicas) e a reunião promovida pelo TSE com líderes religiosos atacada pelo pastor Silas Malafaia. Mas, por falta de repertório analítico, episódios envolvendo religião viram apenas casos de política. Raramente são abordados como um fenômeno social milenar, complexo e multifacetado.

Culto na 48ª Assembleia Geral Extraordinária da Convenção Nacional das Assembleias de Deus do Ministério de Madureira, com a presença do presidente Jair Bolsonaro - Anderson Riedel - 27.mai.2022/PR

A reunião do TSE com religiosos, por exemplo, foi uma iniciativa boa que terminou em tiroteio midiático entre aliados e adversários do presidente Bolsonaro. O propósito do encontro, anunciado no convite assinado pelo presidente do órgão, ministro Edson Fachin, era "promover a agenda Paz e Tolerância nas Eleições".

Em 2 de junho, esta Folha noticia, citando "autoridades que acompanham as discussões", que o objetivo do evento era firmar "pactos contra fake news … em meio a ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral". Essa notícia, então, circula em grupos de WhatsApp de evangélicos bolsonaristas e, no dia da reunião, o pastor Silas Malafaia ataca o encontro cuja a finalidade, para ele, era "isolar o presidente Bolsonaro, que vem fazendo cobranças firmes da transparência nas eleições". E alertou evangélicos convidados: "Não vai cair nesse jogo. Nós não vamos ser usados por esses interesses mesquinhos."

Mesmo assim, seis líderes evangélicos participaram do encontro, quase o número somado dos representantes de todas as outras religiões —teriam sido mais se o TSE tivesse chamado progressistas como o pastor Henrique Vieira e representantes da Frente Evangélica pelo Estado de Direito.

Apesar da predominância de evangélicos, a Folha publica, 20 dias depois do evento, uma lista de convidados, aparentemente desatualizada, indicando os nomes dos religiosos que faltaram —supostamente por lealdade ao governo. Entre eles, o teólogo Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio da Paz, que não recebeu o convite e o jurista e pastor Davi Lago, que integra o OTE (Observatório da Transparência das Eleições) e havia sido "desconvidado" pelo TSE por não representar uma organização.

No final das contas, é difícil saber qual parte da história foi uma "briga de torcidas" provocada pelo clima de disputa e o que seria uma aposta deliberada na desinformação.

A crítica do filósofo Terry Eagleton ao ativismo anti-religioso de seu compatriota, o biólogo Richard Dawkins, serve para quem xinga indiscriminadamente evangélicos de "fascistas", "gado" e "zumbis bolsonaristas". Ele disse que o Deus que Dawkins combate é uma espécie de Pé Grande (Yeti), uma lenda grosseira, que lacra o debate sobre um tema rico, diverso e cheio de tensões internas.

O desconhecimento sobre o cristianismo evangélico amplifica os problemas reais que esse fenômeno provoca.

Uma parte eloquente e representativa dos líderes religiosos enxerga a política como um caminho para evangelizar a sociedade e, como desdobramento disso, fortalecer suas igrejas e seus interesses pessoais.

Para o teólogo de Harvard Allen Callahan, que viveu e ensinou no Brasil, igrejas pentecostais e neopentecostais, como franquias de fé, "se tornaram a matriz de um novo coronelismo urbano: seus pastores, os novos coronéis; os clientes desses pastores, os fiéis trocando seus dízimos pela sobrevivência."

No livro recém lançado "A religião distrai os pobres?" (editora Almedina), o cientista político Victor Araújo examina por que evangélicos de renda baixa optam pela defesa de pautas morais em vez de lutar por moradia, saúde ou educação.

A disputa deste ano entre Lula e Bolsonaro se desdobraria de maneira diferente caso acontecesse no futuro próximo, quando a maioria dos eleitores —e não apenas um terço deles— será sensível às pautas morais e de costumes como aborto, sexualidade e legalização das drogas.

Para dialogar com propriedade sobre a questão evangélica no Brasil, não é preciso acreditar em Deus nem se converter. Mas, no maior país católico do mundo, onde evangélicos serão a maioria da população em 10 anos, é recomendável que profissionais de todas as áreas, do jornalismo ao direito, da moda à saúde pública, da administração pública ao marketing, precisam estudar a sociologia da religião.

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