Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Descrição de chapéu mídia jornalismo

Brincar com fogo divino

Quem ganha ao noticiar fala do bispo Edir Macedo com pedido de doações de fiéis?

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O Globo e Veja noticiaram uma fala recorrente e banal de Edir Macedo a dois meses da eleição. Quem ganha com isso?

Por que esses dois veículos importantes destacaram na semana passada o pedido do bispo Edir Macedo para fiéis doarem seus bens à igreja Universal antes de morrer? Qual é a novidade nessa fala sobre uma prática conhecida desde os anos 1980? E mais: é possível encontrar motivações políticas para uma notícia que não fala de política, mas que circulou na véspera da eleição deste ano?

Nos anos 1990, quando muitos brasileiros escolarizados se assustaram com o aparecimento de megatemplos cristãos pregando sobre prosperidade, houve um período em que o bispo Macedo se mudou para os EUA. E uma ação da Igreja Universal tirou das livrarias brasileiras o livro "Nos Bastidores do Reino" (Geração), escrito por Mário Justino, um ex-pastor da Universal.

O bispo Edir Macedo - Danielo Verpa - 7.ago.2017/Folhapress

"Nos Bastidores" foi censurado por denunciar os métodos agressivos dos pastores da Universal para incentivar fiéis, geralmente pobres, a venderem o que tinham —ainda em vida— para doar para a igreja. (É importante notar que organizações religiosas —de terreiros de candomblé ao Dalai Lama— dependem de dízimos e de doações para funcionar.)

O historiador da USP e evangélico Samuel Gandara conta que as notícias sobre o vídeo novo de Macedo circularam, sim, nos canais evangélicos, mas praticamente não despertaram interesse. Para Samuel, "o crente evangélico nativo não se escandaliza mais com o que vem do Edir Macedo."

Na semana passada, evangélicos como Gandara estavam debatendo freneticamente os resultados do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB). Essa organização se posicionou sobre a ordenação de mulheres e sobre como presbiterianos lidarão com o tema LGBTQIA+. É uma igreja influente, com representantes no primeiro escalão do governo Bolsonaro, tratando da pauta moral, que é um dos assuntos mais debatidos por evangélicos e por quem não é evangélico na corrida presidencial deste ano.

Gandara avaliou a notícia sobre Macedo como "um clickbait". "Em vez de informar, [essas matérias] continuam desinformando, reproduzindo a ideia estereotipada de que ‘evangélico é isso aí’, [uma pessoa que] entrega aquilo que o pastor pede. E muitos de nós não somos assim. A matéria não mobiliza evangélicos porque percebemos seu tom preconceituoso. Nem expõe para a sociedade uma ligação nova do evangelicalismo com alguma estrutura de poder."

O antropólogo Rodrigo Toniol, da UFRJ, especialista no tema do protestantismo evangélico no Brasil, também se surpreendeu com a veiculação da notícia. "Tive a sensação de déjà vu ao ler a reportagem. Pareceu rasa, óbvia, ingênua e sem consequências. Isso leva à pergunta: ‘por que isso está sendo publicado agora?’"

Ele continua: "A gente teria que fazer uma análise de redes para comprovar a suspeita de que a circulação desse conteúdo, sem falar sobre política, parece ter tudo a ver com eleições. Mas para entender de que disputa política a gente está falando, precisamos deslocar o olhar do universo do Executivo federal e ir para a disputa dos legislativos estadual e federal."

Antes de ter chegado aos jornais, o vídeo de Macedo estava "bombando" na internet e em grupos de WhatsApp. Daí ele apareceu em perfis em redes sociais como Babado dos Famosos, apresentado como fonte. Um conteúdo que chama a atenção da sociedade —que "bomba" na internet— pode virar assunto nos jornais porque ecoa debates que acontecem na sociedade. E porque uma parte da popularidade que a discussão produz se transferirá para as páginas do serviço mencionado. Até aí, nenhum problema.

Mas é importante considerar o contexto da véspera da eleição, e que há muitos anos a circulação de boatos se tornou uma indústria lucrativa. As chamadas "guerrilhas virtuais" atuam, a serviço de candidatos ou partidos, identificando e impulsionando conteúdos em espaços online como grupos de WhatsApp e Telegram. Esse material chega a segmentos demográficos sensíveis, que reagem a ele repassando-o dentro de suas redes pessoais. É uma forma atacar reputações.

A igreja Universal tem um partido político, o Republicanos, com candidatos concorrendo a postos nos legislativos estaduais e federal. Um ataque à igreja Universal respinga nesses candidatos. Eles pagarão o preço reputacional pela circulação do vídeo do bispo Macedo. Mas em um cenário polarizado como o desta eleição, instigar a guerra cultural não desagrada o conjunto de igrejas que apoia o presidente. Este é o caminho para unir o campo evangélico para defender o cristianismo. Funcionou em 2018.

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