Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Perseguidos, fiéis anti-bolsonaristas buscam alternativas para manter sua prática religiosa

O bolsonarismo rachou o mundo evangélico, mas a esquerda parece não saber como tirar proveito disso

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Na semana passada, o pastor Sergio Dusilek abdicou do cargo de presidente da Convenção Batista Carioca. Seu "crime"? Ter participado de um encontro de pastores com Lula. Em Santa Catarina, o pastor Alexandre Gonçalves também foi penalizado por liderar o grupo Cristãos Trabalhistas que apoia Ciro Gomes. Mas as mesmas igrejas se calam em relação aos muitos pastores que abrem seus espaços de culto para o presidente Jair Bolsonaro (PL).

O que acontece entre lideranças se repete dentro das igrejas. Perseguidos e decepcionados, fiéis anti-bolsonaristas buscam alternativas para manter sua prática religiosa e, com a ajuda das redes sociais, se encontram e formam agrupamentos informais. É um fenômeno que se fortalece desde a eleição de 2018 e que abre oportunidades para a esquerda disputar o terreno evangélico com a direita e se conectar com milhares de eleitores pobres moradores das periferias.

Um aglomerado de pessoas reunidas em volta de Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin estão com as mãos estendidas orando por ele.
O candidato a presidência da república Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice-presidente Geraldo Alckmin participam do encontro com evangélicos, em São Gonçalo (RJ) - Marlene Bergamo - 9.set.2022/Folhapress

Para o sociólogo e evangélico Leonardo Rossatto, ainda é difícil observar esse processo de reagrupamento de desigrejados, porque os encontros desses núcleos acontecem principalmente nas casas dos fiéis ou em espaços informais. Ainda assim, o grupo que Leonardo frequenta na Grande São Paulo cresceu de 20 para 80 participantes desde 2018 valendo-se do boca a boca.

Mas, apesar da identificação de muitos desigrejados com a esquerda, Leonardo analisa que a direita manterá sua influência sobre uma fatia desproporcionalmente maior do público evangélico. "A igreja ‘de direita’ será como o Flamengo e a ‘de esquerda’, como o América", compara, fazendo referência a diferença do tamanho das torcidas.

O problema é que "desigrejar-se" é, em geral, um luxo reservado a fiéis oriundos das classes média e alta. O evangélico pobre ligado a igrejas pentecostais convive com mais hostilidade se discorda da atitude de idolatria a Bolsonaro. Mas abandonar a igreja, para ele, significa abdicar de redes de convívio que proporcionam segurança para ele e para sua família.

Igrejas são agrupamentos de fé que proporcionam, de muitas maneiras, ajuda para aqueles que escolhem se converter. Por exemplo: muitos evangélicos são profissionais autônomos; atuam como manicures, barbeiros, eletricistas, professores de ginástica e pequenos empreendedores, entre outros. E é nas igrejas que esses trabalhadores constituem redes de clientes.

Famílias que atravessam períodos de vulnerabilidade financeira recebem ajuda na forma de cestas básicas, do pagamento de contas atrasadas e de oportunidades de trabalho que chegam por causa da recomendação de algum irmão ou irmã da igreja. A comunidade também se mobiliza, acionando suas redes de contatos, quando alguém precisa fazer consultas com profissionais como advogados, médicos ou dentistas.

Igrejas grandes como a Universal ou a da Lagoinha também são empregadores. Essas vagas atendem fiéis que chegaram à igreja em momentos difíceis da vida, e o trabalho ajuda a devolver estabilidade para a família dele. Organizações maiores também incentivam a carreira de jovens que, depois de formados, atuarão internamente como advogados, professores, jornalistas ou contadores.

E uma igreja ainda fortalece a autoestima dos fiéis pela oferta de cargos não remunerados. Mesmo o evangélico mais pobre será admirado por desempenhar voluntariamente, por exemplo, a função de professor e professora nas escolas dominicais.

Igrejas também atuam como escolas para fiéis analfabetos aprenderem a ler a bíblia e como centros comunitários para crianças e adolescentes fazerem atividades artísticas e esportivas no contraturno escolar.

Mesmo entre desigrejados, o interesse recente de partidos e candidatos de esquerda para dialogar com evangélicos soa oportunista. Prevalece a ideia de que a esquerda só entra nas igrejas durante o período eleitoral. Para soar mais convincente, representantes da esquerda podem começar a olhar para esses espaços de maneira mais empática e generosa, percebendo-os, antes de tudo, como sendo redes de pessoas geralmente pobres que ajudam umas às outras.

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