Karla Monteiro

Jornalista e escritora, publicou os livros "Karmatopia: Uma Viagem à Índia", ​"Sob Pressão: A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro" (com Marcio Maranhão) e "Samuel Wainer: O Homem que Estava Lá​"

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Darcy Ribeiro, em livro de 1985, explica como o Brasil deu no que deu

Segundo o autor, para deixarmos de ser um país inaugural, é preciso impedir o passado de construir o futuro

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O título já nos adianta a peleja do percurso: "Aos Trancos e Barrancos – Como o Brasil Deu no que Deu". Lançado em 1985, pela editora Guanabara, o livro traz uma linha do tempo da história brasileira, de 1900 a 1980, deliciosamente ilustrada com imagens selecionadas pelo cartunista Fortuna. Diga-se de passagem: ele se esmerou, salpicando nas páginas a nata do traço.

O autor é Darcy Ribeiro. "Não me consolo de constatar todo dia que o Brasil não deu certo. Ainda não deu certo", escreveu ele, no abre da espetacular obra, que, infelizmente, está fora de catálogo. Alô, editores! Segundo o autor, trata-se de "um compêndio risonho de feitos e malfeitos", para ajudar a preencher o "imenso vazio de desmemoria a fazer de nós um país eternamente inaugural".

Darcy Ribeiro posa para fotografia, sentado, apoiando uma das mãos e o rosto em uma bengala. Ele usa camisa branca e ao fundo é possível ver uma pintura religiosa.
Darcy Ribeiro durante entrevista sobre o lançamento de seu livro, 'Diários Índios' - Luciana Whitaker/Folhapress

O que diria o Darcy do triste agora, aliás? Será que conservaria a espantosa esperança que sempre o guiou? Em outubro, ele faria 100 anos. Nasceu em 1922, morreu em 1997, aos 75 anos, ainda acreditando piamente que o Brasil tinha jeito: "Para tanto, é indispensável impedir o passado de construir o futuro". O conselho não poderia ser mais atual.

"Ponha o ombro no andor, companheiro, faça força você também. Se não cuidarmos deste país que é nosso, os gerentes das multi e seus servidores e sequazes civis e militares continuarão forçando o Brasil a existir para eles."

De 1900 a 1980

Em "Aos Trancos e Barrancos", Darcy selecionou fatos marcantes, ano a ano, relatando-os com humor, perspicácia, sagacidade. Uma linha do tempo darcyniana, que vai nos conduzindo pelo fio da meada. Ao recordar acontecimentos políticos, lutas populares quase sempre perdidas, feitos culturais memoráveis e muitas gozações, o autor nos dá um rico panorama da construção e desconstrução da República.

O livro começa em 1900, o "ano do mosquito". O paulista Campos Sales assumira a presidência dois anos antes: "Exportar o que podemos produzir melhor. Importar tudo quanto outros produzem melhor. Abaixo a industrialização". Na seara literária, estrelara "Minha formação", a autobiografia de "um alienado". No caso, Joaquim Nabuco, um dos mais festejados intelectuais da época: "O sentimento em nós é brasileiro. A imaginação, europeia".

Talvez o mais saboroso da obra sejam os fatos que não marcaram, aqueles que não figuram nos livros de história que se levam a sério. Na linha do tempo de Darcy Ribeiro, por exemplo, 1905 fora o "ano do Tico-Tico", a revistinha em quadrinhos de Ângelo Agostini, que encantaria gerações com personagens como Reco-Reco, Bolão e Azeitona. "Morre em 1959, assassinada por Walt Disney", segundo o verbete.

Os anos decisórios ganham páginas robustas, com comentários impecáveis e impagáveis. A Revolução de 1930, a Intentona Comunista de 1935, o autogolpe de 1937, o trágico suicídio de 1954, a construção de Brasília em 1960, tudo é temperado pela amplitude do olhar de Darcy. Em 1937, por exemplo, enquanto Getúlio instaurava o Estado Novo, Graciliano Ramos saía da prisão e ia pedir emprego no Ministério da Educação.

"Vi lá, num corredor, o nariz e o beiço caído de Sua Exma. o Sr. Gustavo Capanema. Zé Lins (do Rego) acha excelente nossa desorganização que faz com que um sujeito que esteja na Colônia (de Presos) hoje fale com ministros amanhã. Eu acho ruim a mencionada desorganização que pode mandar para a Colônia o sujeito que falou com o ministro."

A partir de 1961, após a inesperada renúncia de Jânio Quadros, assume João Goulart –e Darcy Ribeiro vira um dos homens do presidente. Os tumultuosos anos que culminam com o golpe de 1964 são repassados com a abundância de detalhes de quem estava lá, na trincheira, lutando com unhas e dentes pelas reformas de base de Jango –e pela democracia.

No índice, 1964 é o "ano animal". Antes que tudo fosse pelos ares, de acordo com Darcy, as esquerdas, ao invés de se unirem contra o mal maior, entram em desvario, radicalizando para todos os lados. "Até Prestes destrambelha, dizendo que Jango é o porta-bandeira da revolução brasileira, e ameaçando: ‘Não há condições para o golpe reacionário e se os golpistas tentarem, terão suas cabeças cortadas’".

Fica a dica!

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