As chamas que na última semana queimaram o Museu Nacional acenderam a discussão sobre a importância e a necessidade da preservação da memória.
Memória é aquele exercício individual ou coletivo de manter vivo o que já se foi em algum momento de um passado próximo ou remoto e colabora para essa sensação de pertencimento a nós mesmos ou a um grupo.
Em certo sentido, a memória tem esse poder do fogo que ilumina, que anima, que não é menos intenso daquele que torna tudo pó, fazendo assim a função do esquecimento.
Observando o esporte por um viés histórico é possível constatar quantos atletas brasileiros foram capazes de feitos gloriosos, registrados pelos textos dos jornais impressos ou pela voz dos locutores de rádios, os grandes difusores da informação na primeira metade do século 20.
Não falo apenas dos medalhistas olímpicos do tiro de 1920, mas de muitos outros atletas que chegaram a finais olímpicas realizando feitos memoráveis para si mesmos e para o esporte brasileiro.
Em uma época em que são produzidas imagens estáticas ou em movimento em tempo real com pequenos artefatos tecnológicos que cabem na palma de uma mão, é possível viralizar uma imagem capturada com ou sem o consentimento do alvo. Assim, uma cena, um gesto ou um recorde podem ficar para a posteridade integrando a memória de um feito que no passado poderia ser narrado apenas por aqueles que presenciaram a cena.
Entendo que preservar a memória seja muito mais do que narrar esses feitos. É antes de tudo dar sentido a eles dentro do contexto em que foram produzidos, sejam as competições ou os treinos.
O esporte é um campo de narrativas marcado quase sempre pelo resultado alcançado pelos atletas vencedores, reforçando um imaginário heroico seja pela conquista, seja pelo périplo vivido até a conquista do resultado vitorioso. E assim, um considerado contingente de seres humanos dedicados, obcecados pela perfeição, é esquecido por não poder repartir um degrau tão pequeno com tantos outros seres fora de série.
Essa é uma das marcas do esporte, as polaridades. Em um extremo está o vencer que imortaliza e congela na cena da premiação o desejo maior de todo atleta. E o perder que apaga toda a trajetória de pequenas e grandes vitórias, mas não aquela em específico que levaria, por exemplo, a uma medalha olímpica.
O perigo de se reduzir o esporte ao resultado é perder as muitas histórias que guardam memórias preciosas de pessoas que têm muitas vidas para além da competição.
Elas são como um museu que abrigam inúmeras peças com a solidez de um meteorito, que fogo nenhum reduz a pó, ou a fragilidade milenar de um papiro, que pode se desmanchar com um simples toque. Por isso precisam ser guardadas em câmaras especiais das lembranças ou do inconsciente. Por isso é preciso falar do esporte e dos atletas não apenas nas semanas que antecedem ou sucedem os Jogos Olímpicos.
A memória é viva e precisa de cuidados constantes para ser preservada. Assim como os museus, ela guarda objetos materiais e imateriais, detalhes pouco ou nada divulgados, as inúmeras emoções que não se polarizam na alegria da vitória e na tristeza da derrota e transmitem a humanidade de seres tratados como divinos.
A memória do esporte brasileiro precisa de cuidados urgentes, antes que a chama que ilumina queime os vestígios de uma história que traz a identidade do esporte tornando-a apenas cinzas e esquecimento.
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