Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Vão-se os patrocínios, extinguem-se os incentivos. É tempo de se reinventar

O atleta brasileiro é uma metamorfose ambulante. As empresas teriam a mesma capacidade?

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São Paulo

Conta a história que os grandes artistas, aqueles seres iluminados capazes de produzir a “Mona Lisa”, a “Vênus de Milo” ou ainda os afrescos da Capela Sistina, somente realizaram essas obras porque puderam se dedicar ao seu ofício criativo. Suas necessidades básicas eram satisfeitas com o apoio de nobres e aristocratas que entendiam ser a arte tão necessária à existência quanto a comida e o descanso. Era também uma forma de se obter prestígio e reconhecimento social.

Na condição de um fenômeno social moderno, o esporte guarda muitas semelhanças com a cultura. Embora apreciado por muitos ele é uma manifestação espetacular produzida por poucos. O mesmo encantamento arrebatador percebido diante da escultura de Davi pode ser experimentado com um serviço mágico para a finalização de uma cesta ou diante de um movimento acrobático realizado em uma apresentação de ginástica.

Os gestos imaginados acima são possíveis apenas após anos de treinos exaustivos e de dedicação. Isso significa abdicar de uma vida regular que a maioria de crianças e jovens repetem mundo afora. Isso depende do apoio de quem entende ser essa uma atividade fundamental para o ser humano.

No Renascimento príncipes, papas e banqueiros colaboraram para que os museus atuais tivessem um retrato do que foi o mundo de 500 anos atrás. No mundo atual, com um sistema produtivo diferente, empresas desejam esse mesmo feito: ter suas marcas atreladas a produções que possam permanecer vivas no tempo. E o esporte tem essa capacidade.

Causa um certo desconforto observar que ao longo do último ano muitas empresas deixaram de patrocinar atletas e times. Entendo que políticas e crises levam todos a reverem planos e estratégias. Curiosamente o esporte, na ordem de prioridades sociais, está entre os últimos itens a ser prestigiado, desconsiderando, inclusive, toda a cadeia produtiva gerada por ele. Parece uma insanidade jogar fora tudo o que foi produzido ao longo dos últimos anos pela falta de entendimento do que é e do que significa o esporte.

Recentemente conheci uma cidade cuja atividade produtiva girava em torno de uma fábrica de celulose. Ali havia pelo menos 6.000 pessoas envolvidas direta ou indiretamente na produção, que ia do plantio das árvores até o processamento do papel. Além disso, havia um hotel, duas farmácias, a padaria, escolas, mercado, ou seja, tudo aquilo que animava as milhares de pessoas que ali viviam. Sabe-se lá se por má administração ou por mudança de interesse a fábrica quebrou.

O lugarejo pujante de duas décadas atrás é agora quase uma vila fantasma, com algumas poucas casas habitadas. Das 3 caldeiras poderosas, resta apenas 1. Os funcionários dispensados migraram para cidades vizinhas, muitos deles jovens. Conheci dois que não se dobraram diante da circunstância. Não queriam deixar sua terra. Para tanto, tiveram que se reinventar, buscar alternativas para o desemprego e a falta de perspectiva.  

Vejo o esporte brasileiro se parecer com essa antiga fábrica de celulose e tudo aquilo que ela representou para a sua cidade. Da pujança da década dos grandes eventos ao desmonte do presente. Vão-se os patrocínios, os apoios, extinguem-se as políticas de incentivo. É tempo de se reinventar. Empresas não são mecenas, muito embora os atletas ainda se assemelhem aos artistas.

Sem apoio será difícil registrar marcas que fiquem para a história. O atleta brasileiro já provou ser uma metamorfose ambulante. A dúvida é se as empresas teriam essa mesma capacidade, uma vez que o apoio estatal parece se perder na poeira de uma estrada que só deixa saudade.

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