Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Nesta semana, vimos o esporte brasileiro ir do inferno ao céu em poucas horas

É na soma de habilidades, e não de habilidosos, que reside o sucesso

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Conta uma fábula chinesa que o discípulo perguntou ao mestre qual a diferença entre o céu e o inferno. Com a tranquilidade dos sábios o mestre respondeu que a diferença é bem pequena, porém com consequências imensas.

Disse o mestre que avistou um grande monte de arroz, cozido e preparado como alimento. Ao redor dele havia muitos homens famintos, quase mortos. Não podiam aproximar-se do monte de arroz, mas possuíam longos ohashis, palitos usados para comer, de 2 a 3 metros de comprimento.

Desesperadamente, apanhavam o arroz, mas não conseguiam levá-lo a própria boca, porque os ohashis eram muito longos e passavam da boca, ansiosa pelo alimento. Assim, famintos e doentes, solitários partilhavam do mesmo espaço, onde permaneciam, dia após dia, padecendo de uma fome eterna, diante de uma fartura inesgotável. Isso era o Inferno. 

E prosseguiu o mestre dizendo que perto dali havia um outro grande monte de arroz cozido e preparado como alimento. Em volta dele havia muitos homens famintos, mas cheios de vitalidade. Não podiam aproximar-se do monte de arroz, mas possuíam longos ohashis, palitos usados para comer, de 2 a 3 metros de comprimento.

Apanhavam o arroz, mas não podiam levá-lo a própria boca, porque os palitos em suas mãos eram muito longos. Entretanto, em vez de tentar inutilmente levá-los à própria boca, serviam uns aos outros, e assim matavam sua fome, juntos e solidários, saciavam sua fome e alimentavam a experiência fraterna do compartilhar e colaborar. Isso era o Céu.

Muitas fábulas e mitos têm por finalidade explicar as coisas do mundo. Não têm qualquer pretensão moralista de julgar ou determinar a verdade, apenas e tão somente buscam de forma metafórica oferecer uma explicação para situações pouco compreensíveis.

Essa semana vimos o esporte brasileiro ir do inferno ao céu em poucas horas. Em um determinado momento não havia alternativa alguma para a falta de recursos que colocaria em risco a participação de atletas brasileiros tanto nos Jogos Pan-Americanos de Lima como nas muitas seletivas olímpicas que já começam a acontecer. Parecia não haver luz no fim do túnel. E como na fábula, parecia que os talheres usados não eram capazes de levar o alimento à boca de seres famintos por oportunidade de competir e buscar índices e resultados, razão maior de ser atleta. 

Percebe-se que depois de muitas gestões foi liberado não apenas a verba da loteria que cabia ao COB, como também foi anunciada a nova política da bolsa atleta. É bom lembrar que esse benefício garantiu à última geração de olímpicos as condições mínimas para planejar um ciclo de treinos e competições.

Provou-se que o esforço para a obtenção de recursos é uma ação coletiva que envolve diferentes atores, em papeis que envolvem distintas habilidades, afinal é na relação entre as habilidades, e não na soma de habilidosos, que reside a possibilidade da conquista.

O grupo solidário compartilha conhecimento, afeto e êxito. Planeja com vistas a curto, médio e longo prazo porque não vislumbra triunfos apenas para si, mas para as futuras gerações. Tem com o outro o cuidado e o apreço desejado para si mesmo. E essas atitudes geram o respeito tão necessário para a unidade de um grupo.

Se o problema era comer o arroz com longos ohashis, isso já se resolveu. Agora é tempo de pensar em como fazer chegar mais arroz a esse monte que rapidamente será consumido pela fome de atletas que estão prontos a atuar. Aí reside a solidariedade praticada no céu.

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