Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Repouso não significa perda de desempenho para o atleta

Profissionais passaram a ter a vida direcionada para apenas um tipo de fazer

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Permitam-me falar sobre o repouso e o cansaço em um espaço dedicado ao esporte, atividade relacionada ao movimento e à busca de limite.

Isso se deve à leitura da obra "A sociedade do cansaço", de Byung-Chul Han, um sul-coreano que vai para a Alemanha e lá estuda filosofia, literatura alemã e teosofia. Sua reflexão sobre o mundo contemporâneo aponta para os problemas e o perigo da falta de repouso, necessário para a quietude e a reflexão. O movimento incessante gera a necessidade imperiosa de afirmação em um sistema que privilegia o primeiro, o melhor.

A sociedade do desempenho atual caminha emparelhada com uma perspectiva afirmativa, na qual a positividade reina em diferentes frentes. A disciplina desse modo de ser positivo está voltada para a produtividade sem fim, sem direito ao descanso. E aqui o esporte parece ser a tela de projeção dessa discussão.

A nadadora americana Missy Franklin, 23, ganhadora de cinco medalhas em Londres-2012, foi vencida pelas dores crônicas nos ombros e anunciou a aposentadoria em dezembro de 2018
A nadadora americana Missy Franklin, 23, ganhadora de cinco medalhas em Londres-2012, foi vencida pelas dores crônicas nos ombros e anunciou a aposentadoria em dezembro de 2018 - Javier Soriano - 4.ago.13/AFP

Na transição do amadorismo para o profissionalismo, o atleta passou a ter a sua vida direcionada para apenas um tipo de fazer na vida: preparar-se todos os dias para alcançar índices que o leve à vitória, que gerará lucros, independentemente do quando essa dedicação lhe custará. No curto prazo, não se tem ideia de que a dedicação absoluta a esse fazer o distancia de outras construções fundamentais para a vida. Entram aqui a importância do estudar, de ampliar horizontes, construir planos B, C, D, tanto para a possibilidade da carreira profissional não dar certo como para no pós-carreira se ter opções para uma existência plena de realizações.

As imposições da afirmação que geram a produtividade começam ainda nas categorias de base. Meninas e meninos reproduzem o discurso de objetivos pleno de obrigações, muitas vezes incompatíveis com a idade. E assim, uma prática que nasceu para levar ao bem viver cede lugar à preocupação por sobreviver. Pelo meio desse caminho ainda estão a exaustão de treinos cada vez mais intensos, as dores e lesões, ao fim de patrocínios e de políticas que favorecem o mercado que se mostrava como uma opção profissional para muitos que ainda não teriam idade para exercer qualquer outra profissão, por força da lei.

E então, muitos se surpreendem com a multiplicação de narrativas de atletas que, depois de chegar àquilo que parece ser o fundo de um poço, dizem o que é viver o esgotamento que leva à depressão.

Byung-Chul Han fala que o excesso da elevação do desempenho leva a um infarto não do coração, mas da alma. O cansaço vivido na sociedade do desempenho é um cansaço solitário, individualizado, mudo. Por isso a necessidade do repouso.

Entenda-se por repouso não as horas de sono de todas as noites ou entre os treinos. O descanso é a pausa necessária para contemplar, para escutar falas e pensamentos próprios e dos outros com uma escuta sensível. É o momento de potencial criativo tão necessário para que tudo o que se faz tenha algum significado.

Por isso muitos atletas estão sendo diagnosticados com depressão. Transformado em uma ação repetitiva em busca da excelência, o gesto motor torna-se apenas o meio para um fim sem significado. Isso frustra o impulso inicial da carreira pautado na realização de um sonho. Ao serem alçados à condição de modelo ideal, percebem que a inquietação vivida e o sofrimento impostos por uma vida considerada glamorosa são individualizados.

Que o repouso e o descanso sejam ressignificados para o atleta e o esporte. O tempo livre não significa perda de produtividade nem de desempenho. Ele é antes de tudo tempo de vida.

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