A competição para o atleta representa o espetáculo para o artista. O ato de entrar no palco equivale ao instante da pisar na pista, na raia, na piscina, na quadra. É o momento de colocar em prática tudo o que foi ensaiado, treinado à exaustão. Isso porque tudo o que foi aprendido até ali precisa ser sintetizado em alguns segundos, ou minutos, numa atuação perfeita, na qual o erro pode custar todos os anos gastos na preparação.
É o abandono de uma vida ordinária na busca de um objetivo único.
São horas incontáveis de semanas e meses que não são registrados pelo calendário. Isso porque o tempo deixa de ser linear para ser cíclico. Os ciclos se contam pelo tão esperado evento, seja ele bienal ou quadrienal. O planejamento de uma preparação de longo prazo é conhecido como periodização de treinamento. A partir do que se tem e do que se espera alcançar é elaborada uma estratégia detalhada que envolve o dia-a-dia do atleta.
Daí então se entende que a disciplina é uma marca de quem pratica esporte. Deixar de realizar um treino compromete o plano como um todo.
Temos agora o início de mais uma edição dos Jogos Pan-americanos, competição que começou em 1951, na cidade de Buenos Aires. Sua realização fica a cargo da Odepa (Organização Desportiva Pan-americana) e conta com países apenas do continente americano. O programa competitivo pan-americano segue de perto os Jogos Olímpicos, porém também incluiu modalidades como o boliche, esqui aquático, fisiculturismo, patinação artística, patinação de velocidade, pelota basca, raquetebol e squash, ausentes do programa olímpico.
Na atual edição, contará pela primeira vez com o karatê, presente em Tóquio no ano que vem.
Para os atletas brasileiros é uma competição prestigiada e os resultados obtidos são como um termômetro para os Jogos Olímpicos que acontecem no ano seguinte. Ou seja, nos próximos dias seremos invadidos por cenas de celebração e dor, previsíveis como são os espetáculos preparados para esse fim.
Mas, nada me causa maior expectativa do que as provas disputadas pelo canoísta Isaquias Queiróz. Não pelo passado vitorioso nos Jogos do Rio, em 2016, mas pela história escrita por seu técnico Jesus Morlán, falecido em 2018. Diante da iminência da morte, em virtude de um câncer, planejou o futuro esportivo de Isaquias e deixou um testamento esportivo com 700 horas de treinamento para que seu pupilo chegasse aos Jogos de Tóquio com a capacidade de subir ao pódio novamente.
Nos últimos meses Isaquias teve a oportunidade de continuar um projeto que permanece vivo graças ao altruísmo de uma pessoa singular. Mesmo lidando com a própria finitude Morlán foi capaz de pensar naquilo que não iria ver acontecer. Projetou com seu conhecimento e habilidades um projeto de treinamento a ser executado agora no Pan de Lima e em Tóquio, provando a imortalidade daqueles que vencem o egoísmo.
Nos próximos dias Isaquias colocará à prova o planejamento deixado por seu mentor. E assim como alguns textos clássicos, representados inúmeras vezes por diferentes companhias, as provas do C-1 1000 e do C-2 1000 terão o brilho da imortalidade de Jesus Morlán, que vive na dedicação a seus atletas.
E, repetindo aquilo que assistimos na natureza, com o inverno sucedendo o outono e a primavera anunciando a vida que renasce, os ciclos esportivos oferecerão ao atleta a oportunidade para que se busque um objetivo e realize um sonho. Com ou sem a presença física daqueles que se dedicam a manter vivo o mito do herói no esporte.
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