Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Katia Rubio

Não é só quem sobe no pódio que merece ser chamado de herói

Atletas superaram dificuldades dentro e fora das competições para tornarem-se imortais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O tempo passa, e as histórias de superação no esporte reforçam minha tese de que o mito do herói é mobilizador do esporte. Isso não quer dizer que ele toca apenas os que estão no pódio. A referência heroica é parte integrante da vida de quem busca o inalcançável todos os dias.

Viver é a arte cotidiana de se superar. Atletas vivem o superlativo dessa assertiva, uma vez que não basta competir, é preciso ganhar, contrariando a máxima do patrono olímpico Pierre de Coubertin. Digo isso não para provocar o contraditório, mas porque ninguém doa a vida a uma causa para apenas fazer parte dela.

Todos os que se dedicam integralmente ao que fazem desejam o reconhecimento desse feito. Excelência é mais do que meritocracia. No esporte, o reconhecimento social do esforço do treino é a vitória. E não há mal algum nessa disposição, desde que ela seja acompanhada por valores e pela ética da competição, tão esquecida nos últimos tempos.

Afirmo isso a partir de dois casos recentes.

Mirlene Picin, conhecida como Mika, tornou-se a maior medalhista brasileira em competições sul-americanas de esportes olímpicos, entre homens e mulheres, tanto de inverno quanto de verão. Ela conquistou três medalhas de bronze no recente campeonato sul-americano de biathlon, modalidade olímpica de inverno que une duas disciplinas (esqui cross country e tiro com rifle 22). Após essa conquista, Mika passou a contabilizar 32 medalhas, ultrapassando a marca de Piedade Coutinho.

Piedade tornou-se uma das maiores nadadoras brasileiras, com 30 medalhas em sul-americanos. Foi também a primeira brasileira a chegar a uma final olímpica, nos Jogos de Berlim-1936, nos 400 m livre, conquistando o 5º lugar, resultado repetido por Joanna Maranhão mais de meio século depois.

Outro destaque heroico fica para Ítalo Ferreira, o surfista brasileiro que protagonizou uma cena cinematográfica ao vencer a barreira do tempo e do espaço para chegar à praia de Miyazaki, no Japão. A caminho da competição, foi roubado na Califórnia durante uma escala do voo três dias antes de chegar ao seu destino. Teve sua mochila levada, onde estavam seu passaporte e outros pertences.

Depois de um périplo de dar inveja a Hércules, seguiu viagem e foi direto do aeroporto para o mar. Chegando lá, seus adversários já estavam dentro da água. Faltavam menos de 10 minutos para acabar seu tempo quando ele pegou uma prancha emprestada e, com o shorts que vestia da viagem, foi, viu e venceu.

O curioso dessa história de Ítalo é que o surfe participará dos Jogos Olímpicos pela primeira vez em Tóquio-2020. Até aqui dizia-se que isso não era significativo para uma modalidade que tem sua origem associada a valores que não necessariamente condizem com os olímpicos atuais.

Italo Ferreira faz aéreo durante a etapa de Bali do Mundial de Surfe de 2018
Italo Ferreira durante a etapa de Bali do Mundial de Surfe de 2018 - Kelly Cestari - 1.jun.2018/WSL

As competições atuais do surfe no Japão são fundamentais para quem deseja participar do que está para acontecer em 2020. Tanto é assim que o consagrado veterano Kelly Slater luta junto com jovens surfistas do mundo pela vaga que pode dar o pódio que falta à sua prestigiosa carreira.

Isso prova o imaginário heroico promovido pelas competições olímpicas. O agente mobilizador não é o prêmio material em forma de metal pendurado no peito ou na conta bancária do campeão. O que move atletas de diferentes gerações em busca de uma participação olímpica é a possibilidade de entrar para um grupo muito restrito capaz de feitos incomuns. É a possibilidade de ter a própria existência vinculada a um resultado maior que o pódio em si.

Por isso hoje lembramos de Piedade, Joanna, Mika e Ítalo. Atletas que a seu tempo e em suas modalidades superaram dificuldades dentro e fora do ambiente competitivo para se tornarem imortais.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.