Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Katia Rubio

A política dos e nos jogos eletrônicos

Política e economia não se separam nem do esporte, nem dos meios virtuais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Há quem pense que os jogos eletrônicos são um fenômeno contemporâneo de pessoas que se trancam em seus quartos e estão alheias ao que se chama de realidade. Integrados pelos meios virtuais, jogadores do mundo todo interagem em tempo real de diferentes partes do planeta, independentemente do fuso horário ou do idioma que falam. Jogar e comunicar-se e por meio dessa interação pode ser também um gesto político.

Prova disso aconteceu na semana passada, na final da competição do Hearthstone Grandmasters, em Taiwan. Na ocasião, o atleta de Hong Kong, Chung Ng Wai, conhecido pela comunidade como Blitzchung e vencedor da temporada regular, surgiu na tela paramentado com máscara antigás e óculos, como os usados pelos manifestantes que ocupam as ruas de sua cidade natal há mais de quatro meses, contra a China.

O jogador Chung Ng Wai, com óculos e máscara em referência às manifestações em Hong Kong, durante entrevista pós-partida do game Hearthstone
O jogador Chung Ng Wai, com óculos e máscara em referência às manifestações em Hong Kong, durante entrevista pós-partida do game Hearthstone - Reprodução

Esse ato, entendido como uma provocação pelos dirigentes da Blizzard Games, companhia estadunidense desenvolvedora e publicadora de jogos como World of Warcraft, Overwatch e o próprio Hearthstone, levou à suspensão de Chung Ng Wai das competições do próximo ano, bem como ao embargo da premiação de US$ 3.000 à que tinha direito pela vitória. Foram também demitidos os dois comentaristas que conduziram a entrevista.

A Blizzard Games tentou, com a suspensão, manter uma política de boa vizinhança com o governo chinês, mas o tiro saiu pela culatra. Ato contínuo, os consumidores dos jogos saíram em apoio ao atleta, demonstrando a força da comunidade gamer e o alcance do fenômeno eSport.

Fãs e clientes manifestaram-se em protestos online, entendendo o ato como censura à liberdade de expressão. De formas que foram da organização de boicotes a cancelamento total de contas, pessoas do mudo inteiro, mesmo aquelas que pouco sabem da geopolítica internacional, inundaram as redes sociais contra a suspensão do atleta e a falta de liberdade na China. Vale lembrar que parte das ações da Blizzard Games pertence a grupos chineses.

A forma mais criativa de protesto foi adotar uma propriedade intelectual da Blizzard, a personagem de nacionalidade chinesa Mei, do jogo Overwatch, como mascote dos protestos de Hong Kong. O meme corre nas redes, comprovando a ineficiente da tentativa de censura.

Personagem de nacionalidade chinesa Mei, do jogo Overwatch
Personagem de nacionalidade chinesa Mei, do jogo Overwatch - Reprodução

Mas não é só de Hearthstone que vive o mundo dos games. Outras companhias aproveitaram o entrevero para se manifestar sobre o assunto e, de certa forma, capitalizar para suas criações os jogadores insatisfeitos com a postura da Blizzard.

É o caso do fundador e CEO da Epic Games, responsável pelo gigante Fortnite, que se pronunciou, via Twitter, contra o ocorrido. Embora 40% das ações de sua companhia pertençam à gigante chinesa Tecent, Tim Sweeney afirmou que parte da política da empresa é apoiar o direito de seus jogadores e criadores de falar livremente sobre política e direitos humanos.

Ao ser questionado sobre o fato de investidores chineses estarem saindo da NBA em razão da postura crítica dos dirigentes da liga de basquete, Sweeney disse que esse tipo de censura não acontecerá enquanto for CEO e investidor majoritário.

Isso prova que política e economia não se separam nem do esporte, nem de sua versão eletrônica. No mundo globalizado e interligado por redes virtuais, nada se camufla ou se apaga com um click em tempo real.

Como afirmou Calois, o esporte não é bom nem ruim. Ele é aquilo que fazem dele.

Da mesma forma que os atletas pressionam seus teclados em busca da jogada perfeita, que hoje rende milhões de visualizações e dólares, seus feitos desencadeiam reações que mobilizam o mercado milionário do entretenimento, provando que jogo é coisa séria.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.