Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Que os princípios olímpicos não sejam só utopia

Ano de Olimpíada põe conceitos éticos, pedagógicos e morais em evidência

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Estamos quase terminando 2019 e quem gravita em torno do universo olímpico sabe bem o que isso significa: no próximo ano não se falará de outra coisa que não seja Jogos de Tóquio. Para muitos isso soa como uma novidade que se renova a cada quadriênio e dura um pouco mais de duas semanas. Para nós que nos dedicamos a estudar e pesquisar o tema é mais um ciclo.

A competição olímpica nos revelará novos nomes e rostos que ficarão ou não na lembrança. Algumas histórias inéditas serão contadas e outras serão repetidas à exaustão. Cenas de alegria e glória cercarão os vencedores e a sombra e o silêncio acompanharão a maioria que não terá a chance de subir ao pódio.

Falando assim, de fato, parece que pouca novidade nos aguarda. Entretanto, quando se compreende que falamos de um evento arquetípico é porque o fato se repete, guardando aos humanos, demasiadamente humanos, a oportunidade da imortalização. Isto é ser atleta olímpico.

Ariake Arena, um dos palcos dos Jogos Olímpicos de Tóquio - Jack Tarrant/Reuters

Quis o Barão de Coubertin que os Jogos fossem muito mais do que uma competição. Seu ideal era juntar esporte com educação e cultura. Pensando no contexto atual isso parece quase subversivo, mas o fato é que toda competição olímpica está imersa em princípios éticos, pedagógicos e morais que a consagraram como o maior espetáculo do planeta.

Valores universais foram adjetivados como olímpicos em função da força que o movimento conquistou. Entretanto, essa apropriação custou penosas revisões a um grupo essencialmente aristocrático e masculino que resultou na defesa de teses que levam ao estímulo à participação da mulher no esporte, à proteção ao atleta e ao desenvolvimento sustentável, na defesa de uma Trégua Olímpica e na promoção da cultura e da educação olímpica.

Ou seja, usar o adjetivo olímpico significa comprometer-se com princípios morais fundamentais, não apenas ao esporte, mas à vida em sociedade. A agenda 20+20, um documento do COI, aponta nessa direção. Ao que tudo indica há um esforço quase sobre-humano para que isso seja um fato e não apenas uma utopia.

O olimpismo está sob julgamento da sociedade. Apresentado como uma proposta idealista para a educação de crianças e jovens, sucumbiu a diferentes interesses ao longo de décadas até perder-se de si mesmo. A tentativa de resgate de sua vocação original se dá apenas e tão somente pelos valores. E isso se aplica à comunidade olímpica como um todo e não somente aos atletas na arena competitiva.

 

Esta semana estive em um evento para falar sobre educação olímpica. Quando a discussão foi aberta ao público, fui indagada sobre a fantasia de toda a minha exposição. Afinal, a falta de transparência nas instituições esportivas e a comercialização dos Jogos gera desconfiança e distanciamento da proposta educacional e cultural.

Senti naquele questionamento o quanto de desconfiança e desapontamento restou àqueles que acreditaram em uma trégua olímpica à brasileira. Lamentei que o tão propalado legado não passou de calorosos debates no meio acadêmico e nem de longe chegou ao público em geral e aos amantes da competição olímpica.

Isso me fez lembrar uma cena de Peter Pan que se referia à descrença das crianças na existência das fadas e que sempre que isso acontecesse uma fada cairia morta em algum lugar. A ausência de valores no esporte pode causar essa mesma consequência ao Movimento Olímpico.

Cada vez que um amante do esporte disser que os Jogos representam apenas interesses comerciais, negando toda a transcendência que a competição em si provoca, um pouco do ideal olímpico morre. A proposta de Pierre de Coubertin poderia sobreviver sem isso. E que vivam as utopias.

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