Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020 Coronavírus

Jogos Olímpicos são esperados há anos, mas não estão acima da vida

Pedir que os atletas se mantenham treinando neste momento é irresponsabilidade

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Durante mais de um século, atletas fizeram o espetáculo esportivo se transformar na atração de maior alcance do planeta. Não há quem não se encante em assistir a movimentos corporais precisos, perfeitos, quase divinos.

Compreendendo a extensão desse fenômeno, há décadas passei a defender que os atletas são o maior legado dos Jogos Olímpicos, não os estádios, a infraestrutura da cidade ou o afluxo de turistas. Sem atletas não há esporte.

Mas parece que a compreensão institucional caminha em outra direção. O negócio esporte vem em primeiro lugar. Para tanto, impedem a circulação de símbolos preciosos ao esporte, cobram fortunas impagáveis para uso da imagem de atletas em filmes, documentários ou publicações e ainda determinam que toda e qualquer ação dos protagonistas seja cercada, impedindo assim a comunicação espontânea de quem faz o esporte.

Afirmo categoricamente que esse “cuidado” é apenas e tão somente exploração. Houvesse mesmo cuidado, o COI já teria sido categórico em determinar que os atletas deveriam se recolher e respeitar a quarentena que todos os cidadãos do mundo estão sendo chamados a praticar.

A menos que esteja sendo preparada uma surpresa, levando os Jogos Olímpicos para Marte ou outro planeta, protegendo assim a galinha dos ovos de ouro —a saber, não os atletas, mas o espetáculo realizado por eles.

A miopia dos dirigentes coloca em risco um dos valores olímpicos: a igualdade. Quando alguns têm acesso a treinos e preparação e outros não, esse princípio cai por terra, desmerecendo todos os resultados alcançados na competição.

Em condições normais, estaríamos em plena época de seletivas, pré-olímpicos, disputas por vagas preciosas e repescagens porque, logo mais, em julho, a chama olímpica chegaria ao estádio de Tóquio e com ela seriam inaugurados os Jogos da 32ª Olímpiada da Era Moderna.

Entretanto, atletas, técnicos e comissões fazem parte de um sistema social afeitos às mazelas do lugar e do grupo social a que pertencem.

Como é possível respeitar a periodização de treinamento, planejada antes disso tudo acontecer? Impossível. Pedir que os atletas se mantenham treinando é uma irresponsabilidade que coloca a saúde, e no limite a vida, do atleta em risco.

Entendo que vivemos um momento em que muitas coisas estão sendo postas à prova, mas não é uma competição. A ganância, a fraternidade, o respeito e o compromisso ficam manifestos nas ações de todos que estão perto e longe.

Os Jogos Olímpicos são esperados há anos, mas eles não estão acima da preservação da vida dos atletas. Recebemos em tempo real as informações sobre a expansão da doença no Brasil e no mundo. Realizar competições com estádios vazios não resolve o problema. Minimiza o contágio do público, entretanto expõe aqueles que competem.

Os Jogos Olímpicos podem ser adiados até o final desse ano. Esse anúncio já poderia ter sido feito, retirando dos atletas a angústia da incerteza sobre o futuro. Dessa forma, os treinos poderiam ser replanejados, haveria tempo para que todos respeitassem as medidas de proteção, e as cabeças pensantes do “negócio esportivo” teriam condições de acionar outros planos. Como estão fazendo todos aqueles, patrões ou empregados, neste momento.

Não é hora mais de pensar no próprio umbigo. Ou agimos coletivamente, pensando no próprio bem-estar e também em quem está ao lado, ou restará apenas a solidão dos sobreviventes.

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