Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio
Descrição de chapéu

Cerimônias do século 21 exigiram que Maracanã vestisse trajes de gala

Estádios têm uma biografia, e reformas podem causar luto de uma perda irreparável

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Um estádio é muito mais do que uma obra gigantesca feita de concreto armado. Entre suas paredes, vestiários e gramado ficam guardadas as memórias que eternizam fatos esportivos.

Essa é uma vivência não apenas dos atletas que competem, mas também do público, que das arquibancadas participa ativamente das glórias e das derrotas.

Na condição de um objeto cultural, o estádio tem uma biografia. Por isso, quando ocorre uma reforma, ou no limite, a sua demolição, a sociedade vive o luto de uma perda irreparável.

A professora Kim Schimmel propõe uma tanatologia dos estádios esportivos, diante da facilidade com que são postos abaixo esses gigantes de concreto na atualidade. Para ela, o estádio é um símbolo do status urbano global, ponto focal para a identidade coletiva local e serve como afirmação do sucesso da regeneração urbana.

O Maracanã, que completa 70 anos nesta terça (16), é isso. Nascido para ser do futebol em 1950, tornou-se olímpico em 2016. Mas, como obra sessentona, já não cabia mais nos trajes de gala exigidos pelas cerimonias do século 21.

Considerado obsoleto para abrigar a Copa de 2014, precisou de intervenções arquitetônicas e de engenharia. Poderia ter sido apenas uma "reforminha", se não tivesse arrasado com o templo sagrado do atletismo, seu primo olímpico Célio de Barros, que se encontrava logo ali ao lado, transformado em estacionamento de autoridades.

Pelas pistas do Célio de Barros passaram e deixaram suas marcas atletas como Adhemar Ferreira da Silva, José Telles da Conceição, Aída dos Santos, Silvina Pereira, Wanda dos Santos, assim como os quartetos fantásticos dos 4 x 100m com Milton Costa de Castro (o Miltão), Altevir de Araújo, Antonio Euzébio Dias e Nelson Rocha dos Santos, bem como dos 4 x 400m de Paulo Roberto Correia, Antonio Euzébio Dias, Agberto Guimarães e Geraldo Pegado, equipes que chegaram à final olímpica nos Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980.

Não há dúvidas que esse feito abriu caminho para que Arnaldo Oliveira, Edson Luciano, Robson Caetano e André Domingos conquistassem o bronze nos 4 x 100m em Atlanta, Vicente Lenilson, Edson Luciano, André Domingos, Claudinei Quirino e Claudio Roberto de Sousa a prata em Sydney. Desculpem a falta de espaço para nomear todos os demais.

Do Maracanã olímpico não resta a memória de competições fora do futebol. Em suas reformas não foram contempladas as instalações para tal fim. De fato, ele foi definido praticamente como apenas um palco de festa.

Na lembrança, resta a cerimônia de abertura dos Jogos de 2016 como o desfile de uma grande escola de samba, com mais enredo do que samba. Joãozinho Trinta teria ficado orgulhoso, não há dúvidas.

Numa terra onde bossa nova convive com maracatu, funk e empoderamento, o mundo conheceu um Brasil de muitas culturas, que tentou divulgar uma preocupação com o meio ambiente que não passou das sementes plantadas pelos atletas. O fogo e o desmatamento que consomem a Amazônia nos últimos tempos provam isso.

No encerramento dos Jogos, o Maraca olímpico se derramou nas águas da chuva fina que caía, embaladas pela voz de Mariene de Castro cantando “Pelo tempo que durar”. A água que apagou o fogo que aqueceu e iluminou os Jogos, que alimentou a vida da árvore que nasceu e cresceu no centro do estádio, anunciava a chegada de um novo ciclo olímpico que deveria dar seus frutos em Tóquio.

Quanta ironia. Nem o mais sábio dos videntes poderia imaginar que aquela bandeira com aros, que tremulava nas mãos de um homem que seria preso logo depois, não chegaria a ser hasteada em 2020 no estádio construído para ser o grande palco olímpico deste ano.

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