Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Atletas de todo o mundo devem se unir contra a exploração

Carol Solberg lembrou a todos da necessidade de exercer a liberdade de expressão

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Nunca é demais repetir a máxima resultante de minha tese de doutorado que irá completar duas décadas: o maior legado do esporte é o atleta. Sem essa figura não existiriam Jogos Olímpicos nem tampouco qualquer campeonato regional. Não teríamos que discutir os elefantes brancos deixados pelas cidades após a passagem de caravanas que dizem promover os maiores espetáculos do planeta.

E alguns dirigentes e políticos nem teriam cadeiras para sentar.

Esse preâmbulo seria desnecessário se o movimento esportivo tivesse sido pensado, estruturado e dirigido por aficionados praticantes da prática agonística ou competitiva, e não por burocratas que a tudo assistiam sem suar a camisa. Ao determinarem os rumos e as regras de diferentes práticas corporais, eles também moldaram uma cultura esportiva que no futuro se tornaria um monólito rígido e pesado, movido apenas pelos detentores do conhecimento dos meandros institucionais. Esse discurso, seguido de uma prática intensiva de exercício de poder, levou os dirigentes a se alocarem em uma plataforma separada, por um abismo, de atletas que gastavam todo seu tempo a se dedicarem a treinos para alcançar o objetivo maior que é a vitória. E, quanto mais o tempo passou, mais esse abismo se alargou e aprofundou.

Poucos foram os atletas que, cientes das mazelas separatistas do mundo esportivo, dispuseram-se ou tiveram as condições materiais necessárias para se preparar e atravessar a fronteira rumo à condição de dirigente. Compreensível. Os dias dos atletas têm as mesmas 24 horas de quaisquer outros seres humanos.

Outro elemento agravante desse cenário é a característica competitiva inerente a atletas que chegam ao nível olímpico e internacional. Treinados para ser os melhores, os primeiros, em tudo o que fazem são exímios na competição, mas pouco conhecem da cooperação —exceto aquela instrumental que leva à busca de um objetivo, repetido como um mantra, que é a busca da vitória.

E assim passaram-se anos, décadas, mais de um século. Esporte e política caminharam juntos, muito embora quisessem fazer crer que fossem fenômenos heterogêneos. A política era vista apenas como evento externo, poderoso, feito para pessoas especiais, preparadas para o seu exercício.

Enquanto o autoritarismo dominou o mundo, promoveu guerras e genocídios, o esporte seguia como uma atividade insípida, inodora e incolor, bela em si mesma, avessa a conflitos. E sempre que possível repetia-se o mantra que esporte e política não se misturam. Até que as novas gerações passaram não apenas a repetir, como também a acreditar que esporte e política não se misturam. Mas, seria possível viver em sociedade sem a prática da política?

Para felicidade daqueles que não acreditaram em profecias autorrealizadoras, foi retirada das janelas a cortina que impedia a entrada da luz e dos ventos da vida democrática, porém, não sem conflito. Alguns atletas pagaram com suas carreiras esse enfrentamento. Outros, aproveitando as brechas deixadas pelo vazio do poder, sentaram-se em cadeiras vacantes e passaram a exercer da mesma forma opressora o poder do qual foram vítimas.

Ao que tudo indica, o ano em que os Jogos de Tóquio não aconteceram entrará para a história não só como aquele em que uma pandemia deixou mais de um milhão de mortos. Ele será lembrado pelos atletas estadunidenses que foram para as ruas exercer sua cidadania e exigir o fim do racismo. Fará lembrar da atleta Carol Solberg, que exerceu seu direito de expressão e fez lembrar a todos que a falta de união é a fonte da exploração.

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