Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Próprio da cultura brasileira, 'Plano B' atormenta Jogos Olímpicos no Japão

Faltando menos de três meses para o evento, temos pouco a celebrar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O indefectível “jeitinho brasileiro”, tão pouco compreendido pelos estrangeiros, já faz parte de tratados antropológicos sobre o Brasil. Para nós, acostumados com gambiarras cantadas em verso e prosa na abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, é mais do que natural trabalhar com um objetivo e considerar ainda outras saídas diante da possibilidade de uma adversidade.

Gostemos ou não, concordemos ou não, quem vive nesse país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, precisa sempre considerar inúmeras variáveis antes de fechar qualquer projeto ou plano de trabalho. Daí a expressão "Plano B".

O Plano B é aquela saída, nem sempre muito honrosa, que permite finalizar uma tarefa custe o que custar. O famoso “se não tem cão, caça com gato”. Afinal, se o objetivo é caçar, que a presa seja capturada de fato.

Dias atrás participei de uma atividade sobre os Jogos de 2016. Nada como o tempo para olhar o passado e ter condições mínimas de avaliar o que aconteceu. Já se vão mais de quatro anos de um evento que “foi um rio que passou em minha vida”, conforme canta Paulinho da Viola.

Discutimos como a imagem do país e do evento repercutiu nos meios de comunicação a partir de diferentes perspectivas. E o que ficou para mim, em particular, é como são fortes os mitos fundadores desse país tanto para quem vive aqui como para quem nos vê de fora.

O que me chamou a atenção nesse webinário foi a intervenção de William Ferraz de Santana, mestrando da EACH-USP, ao relatar um fato ocorrido durante sua atividade como voluntário na arena da ginástica em 2016. Ele descreveu sua atuação junto a um voluntário vindo do Japão e seu espanto diante das improvisações ocorridas durante as competições. Era incompreensível que um evento daquela magnitude não respeitasse cronogramas e estratégias elaboradas ao longo de anos.

Hashimoto e Bach acenam
Seiko Hashimoto, presidente do comitê organizador da Tóquio-2020, e Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional (na tela), durante reunião nesta semana - Franck Robichon - 28.abr.21/Reuters

Com seu jeito brasileiríssimo de ser, William tentou explicar aquilo que para nós é tão compreensível e que levou Fernando Sabino a escrever: “no fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim”. Ou seja, entre tentativas e erros persistimos na busca por uma solução para um problema, mesmo lançando mão de estratégias pouco convencionais.

E aí entra o Plano B. É a solução não planejada. E o Plano C é a variante para a solução não planejada que ainda não deu certo e que não permite se chegar ao fim.

Depois dessa breve explicação, a curiosidade de William se voltou para a terra do sol nascente com uma pergunta certeira ao jovem voluntário. “E no Japão? Como se dão as coisas?”. A resposta veio à queima-roupa. “Nós não temos Plano B."

Deve ser mesmo muito curioso viver em um lugar onde as coisas funcionam conforme o planejado. Acordar, viver e dormir sabendo que tudo funcionará conforme o previsto. Uma vida que só sacoleja quando algum abalo sísmico, já esperado, acontece.

Essa talvez seja uma das maiores lições da história olímpica recente. A certeza da realização quadrienal de uma competição também sofre com as incertezas que estão postas pela vida tão ordinária de nós mortais.

Faltando menos de três meses para os Jogos Olímpicos de Tóquio, temos pouco a celebrar. A tocha, símbolo que deveria unir as nações, transita apenas dentro de solo japonês e pouco ou quase nada sabemos dela. O que dizer então do funcionamento das arenas? Nem todo planejamento nipônico e olímpico seria capaz de prever os tempos de pandemia. Nenhuma letra do alfabeto daria conta de tanta incerteza.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.