Os Jogos Olímpicos de Tóquio entraram para a história por quebrar paradigmas em diferentes direções.
Os Jogos da 32ª Olimpíada não são olímpicos porque avançaram em um ano no ciclo de Paris-2024.
Por outro lado, trouxeram a juventude perdida com novas modalidades, que fizeram até os mais velhos passarem as madrugadas assistindo a ondas e manobras radicais na água e na terra.
Discutiu-se como nunca questões de gênero, sempre tão recolhidas a um segundo plano, porque, afinal, o espírito olímpico prega a igualdade e o respeito.
Mas o que de fato entrará para os anais dos Jogos de Tóquio foi a urgente humanização dos atletas.
Já não era sem tempo de esse tema entrar na pauta de prioridades do Movimento Olímpico. Nunca é demais repetir que o esporte sem atletas seria pura abstração. Limitados ao papel de competidores, eles foram relegados a um plano secundário quando a questão é a participação nas instâncias de poder.
Para mim, o lema “atleta como modelo ideal” parece sequilho em garganta seca. Desce arranhando e quase asfixia. Essa afirmação coloca pessoas em um papel de difícil desempenho, afinal ser humano significa ser imperfeito e incompleto.
Ser atleta é um dos tantos papéis sociais desempenhados por pessoas que têm muitas outras aspirações e desejos que não apenas competir. Nesses dias mágicos que acontecem de quatro em quatro anos, parece que suas vidas se reduzem a isso. Mas há muito mais.
Poucos sabem quantas horas são necessárias para isso. Menos ainda têm ideia de como é a vida de quem não tem outra vida senão treinar e repetir à exaustão um movimento que se aproxime da perfeição. São muitos, porém, os que ligam a TV para assistir a uma performance perfeita e a uma vitória.
Os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021 serão lembrados pela determinação, que também é um valor olímpico, de uma de suas maiores estrelas em dizer não. Ato que requer coragem, a negativa de Simone Biles representa um cavalo de pau na lógica competitiva. Ela chegou aonde todas desejavam estar. Vitoriosa e badalada, a ginasta americana reconheceu que não estava bem e decidiu não prosseguir.
O erro na execução de um salto parece ter disparado o alarme de que algo estava errado. Não era uma fratura no pé nem uma distensão na panturrilha, tampouco uma unha quebrada.
A quebra se deu dentro de sua alma, ferida sabe-se lá por o quê. O gatilho foi disparado ali no ginásio, muito embora tudo faça crer que aquele era um pote de mágoa. E a gota d’água pingou no momento em que dela era cobrada a perfeição de mais um gesto. As câmeras e os holofotes eram todos dela.
À medida que Biles começou a vestir seu uniforme de desfile e a cobrir seu maiô de apresentação, ficou evidente que ela não mais competiria. Dizia assim ao mundo que uma atleta, mesmo vitoriosa como ela, tem limite. Que não é peça manipulável em um tabuleiro em que pode ser transferida de uma casa para outra conforme convém a quem determina o jogo. Ela é o próprio jogo. E como tal, merece respeito, mais um valor olímpico.
Depois de renunciar à final por equipes, anunciou que estaria fora da final individual. E ainda deixou dúvidas se voltaria às finais por aparelhos. A prioridade agora é ser tratada como um ser humano que requer cuidados.
Primeiro, Naomi Osaka. Agora, Simone Biles. Espero que com a atitude dessas mulheres poderosas, corajosas e sensíveis a lição seja assimilada. Atletas não são máquinas. Está mais do que na hora de humanizar o esporte. Sem isso não há futuro.
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