Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Jogos Olímpicos têm também histórias fantásticas de quem não subiu ao pódio

Trajetórias como a de Suzana Petersen merecem fazer parte da memória esportiva brasileira

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Às vésperas de mais uma edição olímpica, vejo algumas cenas se repetirem. A história dos Jogos é inevitavelmente contada pela trajetória dos atletas. Isso me dá argumentos para reforçar minha tese de que o esporte seria apenas uma abstração sem a presença dos atletas.

E, como acontece em quase toda edição olímpica, nas retrospectivas conta-se a história de campeões e campeãs. Sim, nessa sequência, com o argumento fácil de que os homens começaram a competir antes das mulheres e pouco se fala sobre as razões dessa diferença.

A participação das mulheres nos Jogos Olímpicos não só começou depois dos homens como foi numericamente menor durante todas as edições. Atualmente, embora bem próximo da equidade do número de participantes, ainda falta aquele zero vírgula alguma coisa para dizer que estamos quites.

Ainda era pequena a proporção de mulheres no contingente de atletas na Olimpíada de 1968, na Cidade do México - 17.out.68/AFP

As retrospectivas, cada vez mais bem produzidas em razão de recursos que permitem reconstruir imagens a partir de narrativas e documentos originais, ainda privilegia o óbvio.

Afirmo isso porque há histórias fantásticas, pouco ou nada conhecidas, porque não se referem a quem subiu ao pódio.

Nesta semana, por exemplo, tomei contato com a tenista Suzana Gesteira. Em 1968, ainda assinava Suzana Petersen e foi convidada para participar dos Jogos Olímpicos do México, quando o tênis esteve presente no programa da competição na qualidade de demonstração.

Suzana é gaúcha e foi treinada pelo pai, amante da modalidade e treinador de vários atletas que passaram pelo Clube Sogipa de Porto Alegre. Viveu o mundo do tênis quando não havia patrocínios, nem estrutura para se ir e vir como na atualidade. As poucas viagens internacionais eram planejadas com meses de antecedência e, para ser produtivo, era preciso ficar muito tempo fora do país, aproveitando assim uma passagem aérea pouco acessível.

E assim se deu a aventura olímpica dessa tenista. Em virtude de sua posição no ranking, foi convidada a representar o Brasil. Como se sabe, a participação brasileira no México se deu durante a ditadura militar, às vésperas da decretação do AI-5. A delegação viajou em avião da FAB, por escassez de recursos, e na volta foi a última a sair da Vila Olímpica por falta de transporte.

Mas Suzana não precisou passar por esses percalços porque ela foi por conta própria. As competições de demonstração do tênis foram realizadas em Guadalajara. Contou com a presença dos melhores tenistas daquele momento, como era de se esperar. Atraiu um público inesperado, lotando as arquibancadas e surpreendendo os organizadores.

Esse fato levou à organização de um outro torneio de exibição na Cidade do México, ainda durante as competições da segunda semana olímpica. E novamente o público prestigiou atletas que desafiaram o profissionalismo que afastou o tênis do programa olímpico desde 1932.

No torneio da Cidade do México, Suzana brilhou, o que muitos pesquisadores e produtores de história olímpica não sabem. Foi à semifinal no torneio de simples, duplas e duplas mistas e conquistou três medalhas de bronze. Pela pouca importância atribuída ao tênis de exibição, esses resultados são poucos prestigiados e reconhecidos pela história do esporte brasileiro.

Antes tarde do que mais tarde, torço para que essas conquistas sejam celebradas. Como diz Paul Ricoeur, o esquecimento é o inimigo da memória. Ele se dá pelo apagamento dos rastros, rastros esses que podem ser escritos, documentais ou psíquicos. Espero com este texto contribuir para que a memória de Suzana seja mantida na história olímpica brasileira.

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