Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020

A invenção de novas tradições olímpicas

Agora é hora de descansar uma semana e começar a trilhar o caminho para Paris-2024

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Como escreveu o historiador Eric Hobsbawm, toda tradição foi um dia inventada. Tradição é um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas. E essas práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam promover certos valores e normas de comportamento por meio da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado.

Nessa perspectiva, o esporte seria uma tradição inventada que ocupou um lugar privilegiado na sociedade, por colaborar na construção de identidades nacionais. Cultura e tradição tornaram-se valores preciosos na conquista de novos mercados, responsáveis pela criação de necessidades até então desconhecidas e pela implementação de comportamentos e atitudes inéditos.

Mas seria fácil comprar e vender esse bem cultural e colocá-lo na mesma prateleira de outros produtos de consumo não fosse toda a bagagem arquetípica que ele carrega.

Inventado como uma celebração a entidades divinas, imortalizou até os dias de hoje seres humanos e atravessou séculos de proibição para ser reinventado. Se nas primeiras edições isso não era tão evidente assim, foi a partir da criação de cerimônias de abertura e encerramento cada vez mais elaboradas que os símbolos passaram a se manifestar com força ainda mais intensa.

O que se viu na cerimônia de abertura dos Jogos de Tóquio, e se espera na cerimônia de encerramento, é que essa força simbólica tenha vencido as incertezas do adiamento.

Vista pelas lentes do consumo, ela podia ser descrita e analisada como a vitória do mercado sobre o bom senso. O vírus ainda circula pelo mundo e se multiplicou nesses dias pela capital japonesa. Ao longo desse período de suspensão de um mundo contaminado assistiu-se a inúmeras cenas que nos fizeram colocar em um segundo plano outras discussões urgentes.

Na abertura, as bandeiras foram portadas por uma mulher e um homem, ampliando a representatividade dessa cena icônica. Seguindo a tradição, a atleta de maior destaque carregará o pavilhão nacional no encerramento. E lá estará Rebeca Andrade.

O quadro de medalhas, tradição criada por jornalistas americanos durante a Guerra Fria, e sustentada até a Rio-2016, superou seus criadores. Diante da necessidade de assumir que a equipe chinesa alcançaria o topo da lista sustentada pelas medalhas douradas, reverteu-se a primeira lógica, e eles passaram a defender apenas a soma de todos os metais. Afirmam assim a dificuldade em lidar com a derrota.

Outro dado a se destacar é a pulverização dos primeiros lugares. A disputa deixou enfim de ser entre dois ou três países para ser de muitos. A geopolítica olímpica foi alterada de forma significativa.

Isso aponta para o acerto na política de intercâmbio e a capacitação de atletas de países periféricos, a inclusão dos refugiados e das novas modalidades, a redução da idade de campeões, enfim, o Movimento Olímpico sai rejuvenescido e não à custa de botox ou cirurgia. Apesar de todos os pesares, em Tóquio houve um resgate da alma olímpica perdida nessas décadas de profissionalismo canibal.

Não vou deixar de citar também o avanço da equidade. As mulheres chegaram aonde mereciam estar e prometem muito mais. Nunca antes na história do Brasil tantas mulheres ganharam tantas medalhas, ainda que não se meça potência apenas pelos metais que cobrem esse símbolo tão precioso aos atletas.

Agora é hora de descansar uma semana e começar a trilhar o caminho para Paris-2024.

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