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O 'nacionalismo da vacina' amplia a lacuna Norte-Sul

Busca dos países ricos para assegurar o próprio bem-estar ignora as mutações que tornam o vírus mais resistente

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Víctor Báez Mosqueira

Sindicalista e Secretário Geral Adjunto da Confederação Sindical Internacional, com sede em Bruxelas. Ex-Secretário Geral da Confederação dos Sindicatos das Américas.

“O nacionalismo da vacina” é como se denomina o comportamento dos governos –de direita e de centro– dos países desenvolvidos em sua disputa para garantir o fornecimento da vacina contra a Covid-19 para suas respectivas populações.

É na realidade a ideia de “salve-se quem puder” dos tolos, pois como afirmou António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas, “Covid-19 em qualquer lugar significa Covid-19 em todas as partes”.

Essa busca para assegurar o próprio bem-estar, enquanto as nações pobres são deixadas para se defenderem, ignora o aspecto básico das mutações que vão surgindo e que tornam o vírus mais resistente. Portanto, para minimizar os riscos, o vírus deve ser contido globalmente.

Entretanto, desde que a Organização Mundial do Comércio (OMC) declarou a situação de pandemia em 11 de março de 2020, a única coisa que foi globalizada é a falta de coordenação –deliberadamente– para continuar enriquecendo os mais ricos, as grandes multinacionais e particularmente as empresas farmacêuticas.

Isso apesar do fato de Guterres afirmar que “a vacinação para todos é o caminho mais rápido para reabrir a economia global”.

Nos últimos meses, governos de países líderes do Sul global, como Índia e África do Sul, pediram à OMC para suspender temporariamente as patentes ligadas ao coronavírus, para que os medicamentos possam ser distribuídos de forma mais democrática e para que as vacinas possam se tornar um bem da humanidade.

Mas a União Europeia concordou com os governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha para se opor ao pedido, argumentando que isso desencorajaria o investimento e a inovação.

A defesa da indústria farmacêutica tem sido uma estratégia histórica dos países desenvolvidos e, nesse caso, não houve exceção.

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Antonio Guterres, discursa na sede do órgão, em Nova York
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Antonio Guterres, discursa na sede do órgão, em Nova York - Eskinder Debebe - 24.fev.2021/UN Photo/Xinhua

A pirataria das grandes farmacêuticas

Os gigantes farmacêuticos Pfizer e AstraZeneca –fornecedores da vacina– não retribuíram o favor.

O atraso anunciado e a redução das entregas de vacinas não agradaram aos governos europeus, que os apoiaram com adiantamentos multimilionários e compromissos de compra de mais de 1,3 bilhão de doses.

As farmacêuticas não apenas aspiravam a priorizar a ordem de chegada dos países, ignorando os contratos assinados, mas a concorrência por vacinas se estendeu aos preços.

Algumas publicações afirmam que existem países na União Europeia que pagam de US$ 14 a US$ 18 por dose, que os Estados Unidos pagam US$ 19 e que Israel, que está entre os líderes em vacinação, paga até US$ 62.

A mídia noticiou que a Pfizer espera fazer um faturamento de 12 bilhões de euros com a vacina contra a Covid-19 somente em 2021. E se levarmos em conta que as farmacêuticas manterão os direitos exclusivos por 10 ou 20 anos, dependendo do caso, os lucros são inimagináveis.

O fornecimento de vacinas em geral e particularmente para a União Europeia está muito abaixo dos compromissos acordados nos contratos. E nesse contexto líderes europeus como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e seu vice-presidente, Josep Borrell, declararam a necessidade de manter a transparência sobre o destino das vacinas.

Seringas com doses da vacina da Pfizer-BioNTech contra a Covid-19 em centro de vacinação em Paris
Seringas com doses da vacina da Pfizer-BioNTech contra a Covid-19 em centro de vacinação em Paris - Sarah Meyssonnier - 26.fev.2021/Reuters

E quanto à América Latina?

Se a opacidade é um problema para os cidadãos da União Europeia, a exigência de confidencialidade das empresas farmacêuticas nos acordos com os governos da América Latina é alarmante.

O objetivo é manter o silêncio sobre as pretensões absurdas e abusivas das empresas com países em desenvolvimento. Mas, apesar do sigilo, as condições vazadas para a imprensa ou diplomaticamente escapadas por funcionários governamentais de alto nível revelaram algumas pérolas.

Na Argentina, a Pfizer teria exigido como garantia "uma nova lei com bens impenhoráveis que incluísse geleiras e licenças de pesca", segundo um assessor de Axel Kicillof, o governador da província de Buenos Aires. Não se supõe que a inclusão de geleiras seja por ativismo contra as mudanças climáticas, mas porque a água começou a ser comercializada em Wall Street.

A Ministra das Relações Exteriores do Peru não pôde dar detalhes do contrato "por causa da cláusula de confidencialidade", mas admitiu em uma entrevista que em 23 de novembro o governo peruano recebeu a minuta do contrato da Pfizer. Entretanto, esse não pôde ser assinado na data planejada devido ao seu conteúdo.

O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, declarou à imprensa que as informações sobre os contratos com as farmacêuticas não seriam divulgadas ao público. Ele justificou sua declaração dizendo que "tínhamos que escolher entre ter um contrato de confidencialidade ou não ter vacinas".

Por sua vez, o ministro da Saúde brasileiro disse que “as cláusulas injustas e abusivas que foram estabelecidas pelo laboratório da Pfizer criam uma barreira à negociação e à compra”.

Na Colômbia, várias organizações sindicais e da sociedade civil têm denunciado a recusa do governo de Ivan Duque em fornecer informações sobre os contratos.

Esses exemplos descrevem as pressões das gigantes farmacêuticas sobre os governos enfraquecidos dos países em desenvolvimento.

E não há razão para acreditar que demandas similares não tenham se espalhado para outros países da América Latina, África e Ásia, em detrimento do Sul global.

Esse comportamento das grandes empresas, como se o mundo fosse seu "quintal", deve-se precisamente à falta de regras internacionais claras para refrear sua ganância.

Diante de tais ultrajes, o secretário-geral da ONU declarou que o mundo precisa de um forte multilateralismo.

A imposição da confidencialidade dos contratos não só favorece o apetite leonino dos laboratórios mas também é uma oportunidade para que alguns governos corruptos aproveitem para continuar cometendo crimes.

A fragilidade do planeta diante da pandemia de Covid-19, a perda de empregos, o empobrecimento e as mudanças climáticas foram algumas das questões mencionadas por Guterres em seu discurso no Fórum Econômico Mundial.

Ele também mencionou a possibilidade de uma grande fratura geopolítica nos setores liderados pelas duas potências (China e Estados Unidos), com duas moedas diferentes, e insinuou o alargamento da brecha Norte-Sul.

De certa forma, Guterres pintou um quadro que em muitos aspectos se assemelha ao de 70 anos atrás.

A grande conquista do neoliberalismo foi levar o mundo de volta ao tempo imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, com um multilateralismo muito enfraquecido e no qual as Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas não parecem fazer parte da agenda internacional.

Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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