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Os conflitos na América Latina ressurgirão após a pandemia?

Panorama político da região parece ter recuperado certa calma devido à erupção da crise do coronavírus

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Diego M. Raus

Diretor da licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús (Argentina) e professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires

No final de 2019, jovens chilenos tomaram as ruas por vários dias e lutaram com veemência, apesar da forte repressão dos carabineiros.

Em diferentes países da América Latina, intensificaram-se os protestos sociais que, apesar de enquadrados em exigências específicas, compartilhavam um profundo descontentamento com a ordem das coisas.

A maioria deles foi impulsionada por setores sociais não tradicionais: jovens de setores urbanos populares e de classe média no Chile, ou o movimento indígena no Equador.

No Chile, o motivo das reivindicações era o cansaço com o sistema econômico injusto mantido desde o pinochetismo e com um modelo social estruturado em torno da mercantilização de todos os benefícios sociais.

No Equador, o protesto foi articulado contra o plano de ajuste do governo de Lenín Moreno a pedido de uma negociação de crédito com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Essas duas explosões não foram as únicas.

No Peru houve protestos contra um sistema político –especialmente o legislativo– corrupto, com vetos mútuos e a serviço dos interesses da classe política.

Na Argentina, organizações de desempregados e trabalhadores precarizados protestaram contra o governo Macri pelo aprofundamento de sua já desfavorável situação econômica.

Os conflitos também surgiram na Colômbia, como resultado dos Acordos de Paz, e na Bolívia, devido ao fracasso do processo eleitoral e à saída de Evo Morales do país.

O cansaço da sociedade latino-americana

Além das diferenças, a verdade é que todos esses conflitos tinham características comuns. Desde protestos contra o status quo ou rejeição de matrizes sociais muito desiguais até o ódio aos negócios e ao enriquecimento das elites, e seu isolamento da sociedade.

Os manifestantes também tinham certas características comuns: jovens pertencentes a setores médios e populares excluídos da economia formal e sujeitos à repressão contínua das forças de segurança.

Além dos problemas cíclicos e estruturais da região –crise econômica, desemprego, informalidade, pobreza, exclusão–, os diferentes conflitos apelaram para todas essas questões, mas não se debruçaram sobre nenhuma delas.

Tudo se resumiu a uma manifestação de cansaço com o funcionamento da vida social. O problema era o sistema tal como foi instituído. Não só uma parte dele, mas o todo.

O isolamento sanitário resultante da pandemia colocou entre parênteses as razões do protesto social, mas não as sufocou.

Apesar do fato de que a racionalidade ocidental nos leva a ter sempre prazos definidos, a pandemia continua, e não se sabe como vai continuar.

Essa falta de certeza significou que, embora a Covid-19 não tenha sido extinta, as pessoas foram para as ruas novamente.

Os protestos retomaram de onde pararam e, desde o final de 2020, cidades e espaços públicos em vários países da região voltaram a encenar a expressão do descontentamento. Expressão coberta com altas doses de raiva, ódio e, portanto, violência.

Com essa nova emergência de protesto social, a repressão e a morte também florescem. Como exemplo, o recente assassinato do malabarista no Chile.

Descontentamento que nem mesmo a pandemia conseguiu ofuscar

Ao longo de 2019, houve alguns eventos relacionados aos protestos anteriores que funcionaram como amortecedores do potencial disruptivo e antissistêmico da ação coletiva. Eventos que surgiram como uma resposta aos conflitos anteriores à pandemia.

No Chile, o chamado à votação de uma Assembleia Constituinte para reformar a Constituição herdada do pinochetismo acalmou os grupos no centro que protagonizavam o conflito.

Tanto que a votação para a Assembleia Constituinte, que foi amplamente aceita, foi lida pelos manifestantes como um bálsamo para diluir o protesto.

Entretanto, apesar de seu apoio à Assembleia Constituinte, esses grupos se mostravam absolutamente céticos de que a nova Constituição mudaria o status quo.

O presidente do Equador, Lenín Moreno, durante pronunciamento na sede do governo do país
O presidente do Equador, Lenín Moreno, durante pronunciamento na sede do governo do país - Presidência do Equador - 10.abr.2020/AFP

No Equador, o protesto de outubro de 2019 implicou a inversão do programa de ajuste de Lenín Moreno e a iminência das eleições de fevereiro de 2021 gerou uma expectativa real de mudança política.

Na Argentina, a pandemia começou com o retorno de um governo peronista e as expectativas de mudança, somadas a um apelo à "paciência social" derivada do contexto sanitário.

No Peru, a mudança de governo promovida pelo Congresso despertou a rejeição violenta de parte da cidadania, a ponto de provocar a renúncia do presidente colocada pelo Parlamento. O sucesso do protesto, como uma briga com o poder parlamentar, e a nomeação mais consensual de um novo presidente, acalmaram os ânimos.

E na Bolívia o triunfo esmagador do MAS derrubou qualquer movimento dos setores mais reacionários e despertou expectativas de mudança no país, simbolizadas pelo retorno de Evo Morales de seu exílio.

O panorama político da região, convulsionado por fortes e violentos protestos antes da pandemia, parece ter recuperado uma certa calma devido à erupção da crise do coronavírus.

Entretanto, se entendermos as mobilizações como uma rejeição das estruturas sociais e dos resultados das atuais instituições econômicas e políticas, é difícil pensar que os protestos não voltarão a se repetir.

Os eventos que acalmaram as águas não serão suficientes para garantir a ordem se a estrutura econômica e institucional que reproduz sociedades com fortes bolsões de pobreza e exclusão não for modificada.

Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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