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A greve de 2019 e os crimes contra os direitos humanos no Equador

Somente com verdade, justiça e reparação será possível curar as feridas abertas durante a revolta popular

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Adoración Guamán

Cientista política, jurista e professora da Universidade de Valencia

O relatório da Comissão de Verdade e Justiça sobre os eventos ocorridos durante os protestos de outubro de 2019 foi apresentado recentemente no Equador.

O relatório, encomendado pela Defensoria do Equador, conclui que houve supostas violações dos direitos humanos cometidas por integrantes da Polícia Nacional e das Forças Armadas contra a população.

As evidências levaram a comissão a concluir que o Estado violou gravemente os direitos à vida, à integridade física, psicológica e sexual, à liberdade pessoal, à liberdade de expressão, ao protesto pacífico e ao direito à resistência.

Isso por meio de ações repetidas e generalizadas, o que poderia até implicar na existência de crimes contra a humanidade.

Manifestações e repressão

Em 1º de outubro de 2019, dois dias antes do início da repressão que durou quase duas semanas, o presidente equatoriano, Lenín Moreno, anunciou em cadeia nacional uma série de medidas econômicas e trabalhistas, no âmbito do cumprimento do acordo entre o Equador e o Fundo Monetário Internacional.

Basicamente, foi um ajuste econômico, social e de flexibilização trabalhista com um enorme impacto sobre a grande maioria da população.

A eliminação do subsídio do combustível, vigente no país há 40 anos, foi a medida que desencadeou os protestos.

A isso se acrescentaram reformas destinadas a reduzir a carga tributária sobre os grupos econômicos, liberalizar o comércio –abolindo ou reduzindo tarifas–, reduzir o imposto sobre a saída de divisas estrangeiras sobre matérias-primas e uma série de privatizações.

O “gasolinaço”, como também é conhecida a explosão social, foi liderado principalmente pelo movimento indígena e contestado pelo Executivo, tanto mediante a adoção de um Estado de exceção como pelo uso de forças e órgãos de segurança do Estado para reprimir o protesto.

Para conquistar a opinião pública, o governo utilizou a mídia pública e privada e pressionou outros órgãos, como a Procuradoria-Geral da República e a Corte Constitucional.

Além da violência exercida durante a greve nacional, foram denunciadas violações de direitos relacionados à participação política –liberdade de expressão, comunicação e informação–, ao protesto – liberdade de manifestação– , à resistência –um direito reconhecido como tal no artigo 98 da Constituição do Equador– e à honra, privacidade, liberdade e segurança, tratamento digno e humano durante detenções e julgamentos.

Ademais, as denúncias do governo contra líderes político-sociais, as intervenções de comunicação, o fechamento da mídia, as prisões e declarações de prisão provisória de ativistas, funcionários públicos ativos e líderes de movimentos sociais são um exemplo do uso, durante e após a greve, do aparelho judiciário para reprimir e eliminar o pluralismo político, conhecido como "lawfare".

Os fatos divulgados pelas organizações de direitos humanos e investigados por órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos foram analisados no relatório da Comissão da Verdade.

Em 519 testemunhos, foram quantificadas 249 alegadas violações dos direitos humanos, incluindo seis execuções extrajudiciais, 22 ataques contra o direito à vida, três casos de violência sexual e 20 lesões oculares.

Comissão da Verdade e eleições

O conteúdo do relatório caiu no epicentro do segundo turno das eleições presidenciais. Algumas vozes apontaram que ele deveria ter sido apresentado após as eleições, enquanto outras defendem sua publicação basicamente por dois motivos.

Em primeiro lugar, devido à urgência de esclarecer os fatos, já que o objetivo do relatório é que faça justiça, que as vítimas sejam indenizadas e que os culpados sejam submetidos aos processos judiciais pertinentes, evitando uma eventual saída do país após as eleições.

E o segundo motivo é que o relatório não menciona os candidatos que concorrerão no segundo turno: Andrés Arauz, candidato progressista, e Guillermo Lasso, candidato da direita.

Por outro lado, tanto a comissão quanto o conteúdo do relatório foram denegridos pelas autoridades envolvidas, que negam a existência dos fatos dos quais são acusados.

A Presidência da República, o Ministério da Defesa e outras entidades envolvidas afirmaram que as ações policiais e militares foram realizadas no âmbito da lei.

Além disso, acusam o relatório de ser parcial e de não dar importância suficiente às violações dos direitos humanos cometidas pelas forças de ordem pública.

A análise do documento mostra que o relatório também relata a existência de crimes comuns cometidos durante a greve de outubro e o impacto sobre a integridade física dos agentes.

No entanto, é importante lembrar que o objetivo do trabalho da comissão é dar substância ao direito à verdade que as vítimas do uso excessivo da força por agentes do Estado têm; crimes comuns são tratados por outras instâncias.

Como foi o caso durante a greve nacional, as críticas do governo foram amplamente ecoadas na mídia principal, enquanto as mídias alternativas e as redes sociais foram as que tornaram possível a divulgação das conclusões da comissão.

Verdade, justiça e reparação

As recomendações do relatório exigem a necessidade de assegurar uma investigação imparcial que garanta às vítimas o acesso às informações de acordo com as normas internacionais de proteção.

O documento enfoca a “reparação integral” para recomendar medidas de reparação individual, simbólica e coletiva, bem como institucionais, e afirma que “o Estado equatoriano, através de seu mais alto representante, deveria oferecer desculpas públicas às vítimas das violações dos direitos humanos ocorridas durante a greve nacional de outubro de 2019".

O documento é um reconhecimento necessário para continuar exigindo justiça e reparação.

Agora, após denúncia da Defensoria Pública, é a vez de a Procuradoria e os tribunais responderem para que nenhum abuso fique impune.

Somente assim, com verdade, justiça e reparação, será possível curar as feridas abertas durante a revolta popular de outubro.

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