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Os 'genocidas' do mercado financeiro

Instituições comandam o cassino financeiro, drenando para os seus acionistas e cotistas a riqueza gerada pela população

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João Roberto Lopes Pinto

Professor de ciência política da Unirio e da PUC-Rio, e coordenador do Instituto Mais Democracia

O Brasil vive um dos momentos mais trágicos da sua história, mas em 2020, que terminou com 195 mil mortos pela Covid-19 e um PIB (Produto Interno Bruto) que encolheu 4%, a movimentação financeira na Bolsa de Valores (B3) bateu recorde de pontos e de volume negociado.

O Índice Bovespa ultrapassou a marca inédita de 120 mil pontos, e o volume negociado foi de R$ 35 trilhões, quase cinco vezes o PIB do ano.

Como isso foi possível?

Painel eletrônico com cotações na Bolsa de Valores de São Paulo
Painel eletrônico com cotações na Bolsa de Valores de São Paulo - Rahel Patrasso - 29.out.2018/Xinhua

O capitalismo financeiro brasileiro

No caso brasileiro, o pacote do Banco Central de socorro ao sistema financeiro no valor de R$ 1,2 trilhão, anunciado em março de 2020, contribuiu para que os ganhos financeiros crescessem na mesma proporção das mortes por Covid-19 no país.

Vale dizer que a justificativa para o tal pacote era garantir a liquidez dos bancos nas suas operações com os clientes.

Estudo do Instituto de Economia da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que pouco mais de 10% desse valor foi efetivamente disponibilizado para o crédito a empresas com dificuldades, em meio à pandemia.

Antonio Gramsci já havia constatado que a função política do fascismo é colocar a pequena burguesia e seu discurso antissistema, bases do movimento fascista, a serviço do capital monopolista financeiro, em tempos de crise.

O “neofascismo” do atual presidente, Jair Bolsonaro, com seus 20 a 30% de seguidores na população e a condução econômica do ministro Paulo Guedes parecem confirmar o diagnóstico gramsciano.

O que constatamos hoje no capitalismo brasileiro vem sendo gestado desde a crise de 2008, que chega ao Brasil somente com a queda dos preços das commodities em 2011.

Assistimos, a partir daí, a um duplo movimento que redundou no golpe de 2016: o aprofundamento da financeirização em escala global e no Brasil; e uma renovada expansão do capital monopolista internacional sobre a economia brasileira.

Em meio a um ambiente global de enormes massas de capital excedente em busca de valorização, o Brasil se viu sob a pressão de grandes grupos econômicos por desnacionalizações, privatizações, flexibilização das relações de trabalho e aprofundamento do ajuste fiscal –a tal “agenda de reformas”, segundo a mídia, ou simplesmente “agenda ultraneoliberal”, em curso desde o governo de Michel Temer.

Não por acaso, o volume negociado na Bolsa mais que dobrou nos últimos quatro anos, descolando-se aceleradamente da economia real.

Em 2016, ano do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, somava um pouco mais de duas vezes o PIB, alcançando hoje a cifra já mencionada de quase cinco vezes.

Os agentes do mercado financeiro

No controle dos grupos econômicos (estrangeiros e domésticos) estão, normalmente, instituições financeiras como bancos, holdings e fundos de investimento.

São essas instituições que comandam o cassino financeiro, drenando para os seus acionistas e cotistas a riqueza gerada pela população, por meio do seu trabalho e do pagamento de dívidas, taxas e tributos.

Elas se veem, hoje, plenamente representadas no Ministério da Economia de Paulo Guedes (ex-sócio fundador do BTG Pactual) e no agora “autônomo” Banco Central de Roberto Campos Neto (ex-agente de mercado do Santander).

O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, durante entrevista na sede da entidade, em Brasília
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, durante entrevista na sede da entidade, em Brasília - Adriano Machado - 9.jan.2020/Reuters

São elas, portanto, que sustentam Bolsonaro e sua camarilha das Forças Armadas, comandadas hoje por uma oficialidade, da geração de 1964, intelectualmente indigente e politicamente servil à agenda neoliberal.

É, pois, na “Faria Lima”, avenida de São Paulo que reúne a nata do setor financeiro, que estão os principais responsáveis, juntamente com o títere Bolsonaro, pelo estado de calamidade em que já se contam mais de 300 mil mortos por Covid-19, fruto do negacionismo bolsonarista.

Em nome das tais “reformas econômicas”, eles se dispõem a sacrificar princípios liberais democráticos e a sustentar saídas autocráticas.

Até porque sabem que o caráter antissocial destas reformas exige um governo capaz de impô-las a ferro e fogo à sociedade, a exemplo da aprovação pelo governo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial que, em troca de um auxílio emergencial de míseros R$ 250, asfixia ainda mais o gasto público.

Certamente,os da Faria Lima atuam para o “genocídio” da população brasileira há tempos, porém hoje o escancaramento desse “necrogoverno” que sustentam impõe que não haja meias palavras sobre a responsabilidade deles.

Mas quem são eles?

Uma pista é olhar para as instituições financeiras que se reúnem em torno da Associação Nacional de Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima). A Anbima é responsável por autorregular o mercado financeiro, juntamente com a autarquia pública, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A regularização do mercado financeiro como tarefa pendente

Já se tornou comum chamar a atenção para a elite financeira como aquela que, de fato, dá as cartas na vida política. Mas, diante da situação extrema que vivemos no país, isso se mostra insuficiente.

É preciso nomear, chamar à responsabilidade.

Os endinheirados se acostumaram a ver seus rendimentos se multiplicarem sem se interessarem por saber como tal multiplicação se faz no mundo real –como alguém já disse, na órbita financeira não há qualquer coágulo de humanidade.

Em uma rápida olhada na composição da diretoria da Anbima, identificamos algumas dessas instituições que comandam a banca.

Destaque para os representantes domésticos Itaú/Unibanco, BTG Pactual, Bradesco, XP Investimentos, Votorantim e Safra; no caso de grupos estrangeiros, Santander, Blackrock, Brookfield, Credit Suisse, JP Morgan e BNP Paribas.

Trata-se de instituições poderosíssimas, algumas delas com o capital bem maior que o PIB brasileiro, mas por isso mesmo precisam ser expostas.

Retiremos, pois, o véu do chamado “mercado financeiro”, que nada mais é do que uma organização que, sob a justificativa do direcionamento de poupança interna e externa para o setor produtivo, atua efetivamente como um parasita que corrói o organismo hospedeiro.

Não se tem a expectativa de sensibilizar os agentes financeiros.

Como diz, também, Gramsci, é um erro esperar que a própria burguesia faça resistência ao fascismo. Seria o mesmo que reconhecer que na recente iniciativa da “Carta Aberta à Sociedade Referente a Medidas de Combate à Covid”, a chamada “carta de economistas e banqueiros”, houvesse um sentido de oposição ao governo Bolsonaro.

Trata-se de uma carta tardia que se limita, em meio ao colapso no sistema de saúde, a apontar gargalos na gestão da pandemia, conhecidos e propalados há muito tempo.

As proposições para garantir renda e proteção social são superficiais, se considerarmos que se tratam de economistas.

Talvez isso se deva ao fato de que tais propostas os levariam a ter que expor sua defesa intransigente da redução, neste momento tão crítico, do gasto público.

Já o intuito aqui é bem menos pretensioso. Simplesmente nomear, tirar da sombra, responsabilizar publicamente a elite financeira, para que o debate se instale, pelo menos, de forma mais clara e direta.

Com a palavra universidades, organizações e movimentos sociais, sobre a urgência de se exercer um controle, um monitoramento social do mercado financeiro.

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