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A elite do Chile: perto, mas tão longe

Processo constituinte chileno tem atraído interesse por vários motivos, mas não leva em conta a relação entre a elite e o resto da sociedade

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Javier Hernández

Sociólogo e professor associado do Departamento de Sociologia, Ciência Política e Administração Pública da Universidade Católica de Temuco. PhD em Sociologia pela Universidade de Edimburgo.

O processo constituinte chileno tem atraído interesse por vários motivos: sua paridade de gênero, assentos reservados aos povos indígenas e seu sistema eleitoral, entre outros aspectos. Entretanto, o processo não levou em conta a relação entre a elite e o resto da sociedade.

As elites, entendidas como grupos minoritários de pessoas que concentram as posições de importância dentro de uma sociedade, têm estado historicamente presentes em todas as sociedades de certa magnitude. Entre as sociedades existem diferenças na distância entre essas elites e o resto da sociedade, entretanto, suas posições precisam ser legitimadas pelo resto da sociedade. Caso contrário, as sociedades podem passar por crises e/ou grandes transformações.

A distância entre a elite e a sociedade tem manifestações distintas. Uma delas é a mobilidade, tanto dentro como fora do grupo seleto. Outra dimensão tem a ver com a distância no acesso a recursos, bens e serviços, o que se traduz em estilo e qualidade de vida. E uma terceira dimensão está associada a diferenças nas percepções e na forma de entender a realidade, por ter experiências e interesses distintos.

Imagem mostra mulher de máscara sentada de frente para uma mesa escrevendo em um papel
Mesários contam cédulas após fechamento das urnas em Santiago, no Chile - Pablo Sanhueza/Reuters

No caso do Chile, chama atenção a grande distância entre as elites e a sociedade, que se expressa em uma baixa mobilidade social e uma alta reprodução intergeracional da elite. É muito provável que aqueles que nascem na elite permaneçam nela e aqueles que não nascem, não alcancem tais posições. Isto se explica pela importância dos contatos, sobrenomes e da participação em instituições exclusivas para o acesso às oportunidades.

Da mesma forma, existe uma importante segregação social, na qual aqueles que têm maiores rendimentos têm acesso a certas escolas, bairros, instituições de saúde e outros serviços onde coincidem pessoas com uma origem homogênea comum, obtendo uma qualidade muito diferente do resto da população. Tudo isso significa que o padrão de desigualdade no Chile, um dos países mais desiguais do mundo, é precisamente sua alta concentração de riqueza e bem-estar em um número reduzido de pessoas.

Em relação às percepções, um estudo recente dos pesquisadores Atria e Rovira chama a atenção para a grande diferença de percepções e avaliações que existe entre a elite, especialmente a elite econômica, e o resto da população. Esta diferença é tão marcante que parece que eles viviam em países diferentes.

Desde 1998, alguns estudos no Chile, principalmente do PNUD, identificaram um mal-estar social associado ao fato de que as promessas trazidas pelo retorno à democracia haviam sido defraudadas, enquanto as pessoas perceberam que suas condições materiais estavam melhorando, mas não ao ritmo da elite. Este mal-estar parece ter explodido em outubro de 2019, advertindo que a distância entre a elite e a sociedade havia chegado a uma situação crítica. O progresso do país que a elite havia projetado para o mundo não foi percebido da mesma maneira pela população como um todo.

Ao mesmo tempo, a ideia de que, se a elite melhorasse suas condições, esses benefícios, mais cedo ou mais tarde, seriam passados para todos, desmoronou. Parece que cada vez mais pessoas acreditam que o que alguns ganham é à custa de outros. Assim, foi observada uma pausa, que pareceu motivar reflexões e aberturas por parte dos setores da elite, abrindo a possibilidade de mudanças que tendem a um novo acordo.

Entretanto, durante as últimas semanas as declarações de diferentes líderes empresariais no meio da pandemia, rejeitando a ajuda econômica proposta pelo governo, que apesar de seu caráter assistencialista teria um efeito redistributivo, tem causado polêmica. Isto mostra quão pouca empatia a elite tem para com o resto da população.

Consequentemente, parece que, apesar das boas intenções de certas pessoas, a distância entre a elite e o resto da sociedade gera uma caixa de ressonância na qual o discurso da elite é reproduzido entre as pessoas que percebem a realidade de forma semelhante e, ao mesmo tempo, as faz ignorar o que muitas pessoas experimentam diariamente.

O processo constituinte que o Chile enfrenta e cujo próximo marco é a eleição de membros da Assembleia Constituinte em 15 e 16 de maio, é uma oportunidade de reconfigurar a relação entre elite e sociedade, reduzindo essas distâncias. Para tanto, é essencial que pessoas de diferentes setores da sociedade participem da experiência constituinte, tanto como membros da Assembleia Constituinte e/ou em outras funções. O risco de ser uma nova instância capturada pela elite implicaria que mais uma vez a experiência de uma parte importante da população seria ignorada, o que poderia intensificar a fratura social.

É hora de construir uma institucionalidade onde os destinos do setor empresarial, das autoridades políticas, das grandes rendas e do resto da população sejam projetados a partir de um horizonte comum. Isto implica um novo acordo. Como foi dito no início, embora todas as sociedades tenham elites, a distância que pode ser vista no Chile é incomum. Sociedades nas quais as próprias elites utilizam, cuidam e desenvolvem os serviços aos quais a maioria da população tem acesso e onde as oportunidades e condições de vida são menos determinadas pela origem social, tendem a apresentar maiores graus de coesão e capacidade de enfrentar desafios comuns, como esta pandemia tem demonstrado.

Além disso, uma elite que muda e se renova, incorporando pessoas de diversas origens, tem mais chances de interpretar as mudanças e antecipar as medidas necessárias para o bem-estar comum

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