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Ainda é possível evitar o fim do mundo?

Atingir desenvolvimento sustentável daqui a 3 ou 5 décadas já não garante a vida das futuras gerações

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Fabricio Pereira da Silva

Professor de ciência política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), tem pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago (Chile)

A recente Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, nos lembra que estamos mal. Mesmo setores relevantes do capitalismo global já entenderam a urgência do momento: estamos no limiar de uma catástrofe.

Efetivamente, estamos adentrando nela, uma sensação aprofundada pela pandemia da Covid-19. Esta guarda relação com a devastação ambiental, que gera um contato humano mais próximo com animais silvestres e sua comercialização descontrolada, e com a aceleração da mobilidade humana pelo globo. A pandemia vai se estender por um longo tempo, e não será a última.

É importante que setores do capitalismo global estejam se movendo, propondo reduzir emissões de gases e investir em tecnologias limpas e eficazes. Isso já é algo. Algo que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e seu governo ecocida seguirão sem entender.

No entanto, essas propostas louváveis vindas do “capitalismo esclarecido” ajudam apenas a reduzir danos, a mitigar o problema, a adiar o fim do mundo. Se, mais do que adiar o fim do mundo, quisermos evitá-lo, pode ser útil recorrer a perspectivas dos povos indígenas, na esperança de que suas ideias e práticas possam nos ensinar algo.

Ainda que a humanidade desaparecesse da face da Terra —hipótese mais provável—, ou ainda que o capitalismo colapsasse, os resultados da devastação sobre o planeta ainda se fariam sentir por alguns séculos. Em outras palavras, atingir algum tipo de “desenvolvimento sustentável” daqui a três ou cinco décadas já não garante a vida das nossas futuras gerações. É hora de mudanças radicais.

Antes de qualquer coisa, é necessário lembrar que existe um pensamento e pensadores indígenas. Não me refiro a visões de mundo ancestrais sobreviventes em alguma área remota, a serem codificadas e traduzidas por algum antropólogo. Há de fato uma ampla rede de intelectuais, ativistas e movimentos indígenas que vão se conectando de sul a norte da Indo-América, a América Indígena na qual devem caber os povos originários da nossa América dita Latina.

ESTAMOS CAINDO E PRECISAMOS DE PARAQUEDAS

Escutemos o que nos diz Ailton Krenak, ambientalista e filósofo brasileiro da etnia krenak. Muito importante em seu pensamento é a ideia da queda. Seu povo está em queda e em guerra desde que começou a conquista e consequente genocídio dos povos indígenas, e nada indica que isto vá mudar. Mas, para ele, não somente os povos indígenas estão em queda nos últimos séculos, mas toda a humanidade. O ser humano se desconectou da natureza, se alienou da Terra. Mas a Terra e a humanidade são a mesma coisa. Krenak não enxerga onde poderia haver algo que não seja natureza, pois tudo é natureza.

O que mudou agora é que, se até algum tempo atrás eram os povos indígenas que estavam ameaçados de extermínio, agora é toda a humanidade. Estamos diante da iminência da Terra não suportar nossa demanda.

Mas talvez esta queda, o fim do mundo, seja somente a interrupção de um estado de prazer extasiante que não queremos perder. Krenak se dedica a imaginar paraquedas para ao menos suavizar esta queda. E o paraquedas possível antes do fim do mundo pode ser, mais que uma relação diferente entre nós e a natureza, a efetiva derrubada de uma barreira: a aceitação de que somos natureza.

A forma de vida adotada até aqui se apresenta como insustentável. Para Krenak, somos piores que a Covid-19. A perspectiva antropocêntrica está produzindo a destruição do próprio ser humano. Nossa forma de vida é artificial, ficcional, descolada do organismo vivo que é a Terra. Há, porém, aqueles que são considerados uma “sub-humanidade”, fora da humanidade hegemônica. São aqueles que vivem nas bordas do mundo: os indígenas. Para eles, tudo é natureza, o ser humano integra a natureza. De seus valores ainda pode emergir um outro mundo.

AINDA É POSSÍVEL BEM VIVER? AINDA É POSSÍVEL VIVER?

Temos entre os povos andino-amazônicos as ideias do “bem viver”, ou “viver bem”. Duas propostas estão em sua base: a comunidade na relação entre as pessoas, com reciprocidade e igualdade; e uma visão mais holística e harmônica da relação entre humanidade e natureza, segundo a qual o ser humano é parte do meio ambiente e a geração atual está conectada com as gerações passadas e futuras.

Como se vê, essas propostas permitem pensar num outro mundo, na própria superação de noções como desenvolvimento e progresso —ideias centrais tanto no capitalismo quanto no chamado “socialismo real” do século 20 e nos recentes governos ditos “progressistas” da América Latina.

Para os intelectuais indígenas defensores do bem viver, a relação harmônica e holística no interior das comunidades, entre as gerações e delas com a Mãe Terra (Pacha Mama) estão na base do pensamento indígena, sendo a maior contribuição deste pensamento a um mundo que está em vias de extinção.

Mónica Chuji, intelectual quíchua equatoriana, ativista ambiental e feminista, destaca que essas ideias emergem exatamente num momento em que, em consequência do desenvolvimento, o planeta está em crise, se aprofundam as desigualdades, e as consequências disso se estendem a toda a humanidade. Para ela, o bem viver contradiz o paradigma cartesiano que é base da modernidade: o homem como senhor da natureza. Este paradigma considera a natureza exterior à história humana, o ser humano separado da natureza, o indivíduo separado da comunidade.

É toda essa concepção cartesiana que deve ser superada, se quisermos evitar o fim do mundo. Ou, mais precisamente, evitar o fim de nós mesmos. Como insistimos por tanto tempo em nos desconectar do planeta, é possível que a humanidade desapareça, mas a Terra, a Pacha Mama sobreviva a nós, e viva melhor sem nós. Porém, ainda há tempo de sobrevivermos, ao que parece, se dermos uma guinada radical em nossos modos de vida.

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