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Brasil: pandemia, crise política e judicialização

Jair Bolsonaro e seu governo são o resultado destas formas de relativização da democracia pelas elites

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Leonardo Avritzer

Professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG

O Brasil está imerso em várias crises. A primeira e mais importante é a crise da democracia. Após décadas de construção democrática bem-sucedida, gerada pelo consenso em torno dos resultados eleitorais, a capacidade de implementar políticas sociais bem-sucedidas e maior confiança na democracia. Todos esses elementos se desintegraram rapidamente após o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, cujo ponto de partida foi o não reconhecimento dos resultados das eleições de 2014.

O processo de erosão da confiança na democracia foi também um processo de hiper-expansão das prerrogativas do sistema judiciário e das instituições de controle, muito além da desejada e necessária autonomia para a democracia. A Suprema Corte, especialmente, acumulou prerrogativas a partir de 2012 e começou a usar essas prerrogativas politicamente. Enquanto isso, a Operação Lava Jato, inicialmente uma operação anticorrupção, tornou-se uma operação fortemente politizada. Nas eleições presidenciais de 2014 e 2018, o então juiz Sérgio Moro agiu politicamente.

Finalmente, ressurge o problema militar. O Brasil deixou o problema da interferência militar na política sem solução durante sua transição para a democracia. O artigo 142 da Constituição permite a intervenção dos militares para garantir a lei e a ordem.

Desde a desastrosa missão no Haiti, a liderança de um setor antidemocrático nas Forças Armadas foi fortalecida. Os generais Braga Netto e Augusto Heleno (este último acusado de graves violações dos direitos humanos no Haiti) ganharam proeminência na liderança das Forças Armadas, que hoje entra na arena política e exerce pressão sobre as instituições democráticas. ​

Jair Bolsonaro e seu governo são o resultado dessas formas de relativização da democracia pelas elites políticas, judiciais e militares no Brasil. Bolsonaro foi uma figura política inexpressiva até 2017. Até então, o bolsonarismo era mais um movimento do que uma forma de governo e a candidatura do capitão reformado era vista como uma candidatura de protesto.

Bolsonaro catapultou-se para o centro da cena política em alguns episódios: no julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma, ele ganhou destaque ao defender a memória do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra; no episódio do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula da Silva, ele fez parte da articulação do Estado-Maior das Forças Armadas que pressionou a Suprema Corte. Finalmente, Bolsonaro e sua comitiva se beneficiaram da intervenção militar no Rio de Janeiro e do grande impulso para as políticas das milícias que ele tornou possível.

O problema de Jair Bolsonaro desde o início de seu governo tem sido estabelecer alguma relação entre o movimento para atacar o sistema político que ele dirigia e algo que expressasse minimamente uma certa capacidade de governar. Bolsonaro trouxe poucos políticos com qualquer capacidade gerencial para seu ministério como Sérgio Moro, Onix Lorenzoni ou Luís Henrique Mandetta, mas quase imediatamente o foco da ação governamental foi em ministros fortemente ideológicos como o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub ou o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Desde o início da pandemia do coronavírus, a ideia de substituir políticas públicas metódicas por formas ideológicas de gestão tem impactado o Ministério da Saúde com resultados trágicos para a população brasileira. Bolsonaro havia nomeado Luiz Henrique Mandetta para o Ministério da Saúde, um ministro com perfil centrista e formação técnica na área, em absoluta dissonância com quase todos os outros membros de seu ministério. Assim, a crise do coronavírus caiu nas mãos de um ministro centrista, em um governo que quase não tem centristas, e de um ministro com capacidade técnica.

Jair Bolsonaro investiu para interromper a resposta brasileira à pandemia. Primeiro, ele investiu contra a política de isolamento social e, em 16 de abril de 2020, o capitão conseguiu implementar sua política anti-vida com a demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

Após a posse do novo ministro, general Eduardo Pazuello, o governo desativou as inter-relações federais no momento decisivo da luta contra a Covid-19, depois concordou em prescrever à população remédios de eficácia não comprovada e finalmente desorganizou completamente a campanha de vacinação no país. O resultado, ou mortes, não demorou a aparecer e até este momento o Brasil está vivendo sua maior crise de saúde, que é também uma crise política.

O governo Bolsonaro enfrenta dois conflitos que já selaram seu destino como um governo fraco: um conflito com o Congresso e um conflito com a Suprema Corte. Bolsonaro teve episódios diferentes com o Congresso durante seus dois anos no cargo. No início da administração do capitão, a tensão entre o governo e o Congresso estava sobre as agendas relacionadas com armas e educação superior, ao mesmo tempo em que o presidente da Câmara viabilizava a agenda econômica do bolsonarismo.

Estamos vivendo agora um confronto de dimensões muito maiores: com a abertura de uma comissão de investigação no Senado, a oposição e os membros independentes da Câmara estão assumindo a liderança nas investigações sobre o desempenho do presidente e de seus ministros na pandemia.

O segundo conflito do presidente é com a Suprema Corte. No primeiro ano de governo, a Suprema Corte manteve uma posição de equidistância do governo, intervindo ocasionalmente em alguns conflitos. Com o início da pandemia, os conflitos entre a Suprema Corte e o governo Bolsonaro se intensificaram, especialmente após a decisão da corte em favor da autonomia dos governadores e prefeitos para lidar com a pandemia. A relação tornou-se ainda mais tensa com as ações do decano da corte em relação à interferência política do presidente.

Esses dois conflitos que o presidente Jair Bolsonaro enfrenta são incomuns em uma democracia em funcionamento. São a expressão de um populismo autoritário que procura reforçar as ações de um presidente que não tem nenhuma preocupação com a governança ou que a transformou em opiniões sobre a pandemia, a vacinação e o pacto federal.

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior, o texto dizia que o general Braga Netto participou da missão de paz no Haiti. Ele não participou dessa missão, mas foi observador da missão da Onu no Timor Leste.

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