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Cadê o Zé Gotinha?

As cinco recusas do governo de Jair Bolsonaro à vacina da Pfizer em 2020

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Carolina de Paula

Doutora em ciência política pelo Iesp/Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos/Universidade Estadual do Rio de Janeiro), consultora da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e consultora em pesquisas eleitorais e estudos de mercado

O “Zé Gotinha” é um personagem extremamente simbólico no Brasil durante as campanhas de vacinação dirigidas às crianças e adultos.

Carismático e popular, desde os anos 1980 ele ajuda a alavancar o sucesso das campanhas nacionais promovidas pelo Ministério da Saúde, tornando o Brasil um exemplo a ser seguido quando se trata de vacinação em massa. Por isso, a sua ausência durante a imunização contra a Covid-19 foi sentida.

Não por acaso, no primeiro discurso após recuperar seus direitos políticos –com a anulação, pelo STF, das condenações que sofreu na Lava Jato– o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) questionou: “Cadê o nosso querido Zé Gotinha?”.

A crítica do ex-presidente, em 10 de março de 2021, sobre o atraso/descaso do atual governo no processo de compra e distribuição da vacina, se passava na cabeça de muita gente.

Ancorados na linha de partida, assistíamos atônitos ao avanço da corrida mundial pela imunização, enquanto ocupávamos –e infelizmente ainda ocupamos– o posto de epicentro global da crise sanitária, com uma média de 2.000 mortes diárias naquele mês.

O que ainda não sabíamos, e ficamos sabendo oficialmente agora no mês de maio, era que o Zé Gotinha, ou seja, o marco inicial da nossa campanha nacional de imunização, poderia ter aparecido ainda em 2020.

No dia 13 de maio, o depoimento do gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, à CPI da Covid no Senado é cristalino ao afirmar que a empresa fez ao menos cinco ofertas de doses de vacinas contra o coronavírus ao Brasil.

Não houve sequer resposta às cartas dirigidas a diversos membros do Planalto em 2020. Estima-se pelos dados de Murillo que poderíamos ter à disposição 70 milhões de unidades do imunizante até o segundo trimestre deste ano.

Não por acaso, no dia 19 de março, dez dias após a fala do ex-presidente Lula se espalhar na imprensa e nas redes sociais, o governo federal resolveu abrir diálogo com a Pfizer e assinou um contrato de compra de 100 milhões de imunizantes.

Até aquele momento, a vacina não era prioridade. Pelo contrário, a narrativa do atual governo federal consistia essencialmente em divulgar medidas descabidas e sem respaldo científico à população, como o tratamento precoce, via o uso de cloroquina e ivermectina.

O tiro criminoso da Presidência saiu pela culatra no que diz respeito aos dados de pesquisas de opinião pública.

Houve um grave erro estratégico do entorno do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao acreditar que a população brasileira não estaria interessada na vacina e que teria acreditado majoritariamente no discurso não científico do tratamento precoce.

De fato, em outubro e novembro de 2020 o PoderData e o Datafolha divulgaram pesquisas que apontavam queda na intenção da população em se vacinar. No PoderData, na última semana de outubro, o índice de quem afirmava que “certamente não iria se vacinar” marcava 22%, e 63% afirmavam que “com certeza se imunizariam” e 15% “não sabiam".

Os dados anteriores da pesquisa de agosto do instituto mostravam que 82% dos entrevistados queriam se vacinar, ou seja, a quantidade de brasileiros que mudou de opinião aumentou quase 20 pontos percentuais em apenas dois meses.

Certamente, a forte propaganda negativa do presidente relativa à “vachina” –como ele se refere pejorativamente à Coronavac, oriunda da China– teve impacto nesses números.

Entretanto, como sabemos, pesquisas de opinião são fotografias de um dado momento.

O ano virou, e assistimos à triste explosão da segunda onda da pandemia da Covid-19 no Brasil.

Vimos a cidade de Manaus agonizar pela falta de oxigênio nos hospitais, as internações e as mortes aumentaram exponencialmente em todo o país.

Ao mesmo tempo, os países que foram responsivos começaram a imunizar com agilidade seus cidadãos, trazendo a esperança de uma volta à normalidade.

Em fevereiro de 2021, a IPSOS divulgou uma pesquisa mundial mostrando que o Brasil era o segundo lugar em que mais pessoas gostariam de tomar a vacina: 88% dos entrevistados responderam afirmativamente ao questionamento.

Infelizmente, devido à omissão do governo federal, ao rejeitar cinco vezes as propostas da Pfizer, inicialmente contávamos somente com a produção oriunda da Coronavac, do Butantã, incapaz de imprimir velocidade à imunização de um país continental como o Brasil.

A nação pagou caro, com a vida de mais de 400 mil pessoas. O descaso não escapou aos olhos da população.

O Datafolha divulgou dia 12 de maio uma pesquisa nacional envolvendo a popularidade do presidente e também cenários de intenção de voto para o pleito de 2022.

Bolsonaro estaria em seu pior momento do mandato, com altíssima reprovação: 45% dos entrevistados consideram sua gestão ruim ou péssima, e 54% não votariam nele de jeito nenhum em 2022.

Montagem mostra, lado a lado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Lula (PT)
O presidente Jair Bolsonaro (se partido) e o ex-presidente Lula (PT) - Alan Santos/PR e Adriano Machado/Reuters

Lula lidera com folga a corrida eleitoral. Em um eventual segundo turno, o petista marca 55% ante 32% do atual presidente.

A vacina virou o fiel da balança para a manutenção de Bolsonaro no poder em 2022. Além, é claro, dos indicadores –e de percepção do eleitorado– de recuperação, ou não, da economia (em especial o desemprego e a inflação).

Mas pela fotografia do momento, revelada pelas últimas pesquisas, a situação é altamente desfavorável ao atual presidente.

Muitas vidas poderiam ser poupadas se ao menos uma das cinco propostas da Pfizer tivesse sido respondida de modo positivo.

A eventual perda do mandato de Bolsonaro em 2022 sairá extremamente barato diante de tamanha tragédia e omissão.

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