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Observação eleitoral em tempos de instabilidade democrática

Atividade da observação deve possuir plena neutralidade política diante do pleito

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Ana Cláudia Santano

Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em direitos fundamentais e democracia do Unibrasil. Doutora e mestre em ciências jurídicas e políticas pela Universidad de Salamanca, Espanha. Coordenadora-geral da Organização Transparência Eleitoral Brasil

Desde 2018, se presencia na América Latina o que o pesquisador Daniel Zovatto chama de “super-ciclo” eleitoral, em que uma alta quantidade de eleições são realizadas e previstas, sejam elas locais ou gerais. Esse calendário intenso ocorre em um contexto latino-americano conturbado quanto à estabilidade e integridade democráticas.

Protestos contra governos de tendências autocráticas e insatisfação com a democracia e as instituições se refletem nos dados do Latinobarômetro desde então. Quadro este que não dá sinais de recuperação. É nesse cenário de evidente questionamento democrático que o tema da observação eleitoral mostra a sua importância.

É papel das missões de observação realizar uma coleta minuciosa de informações sobre as eleições tanto no período pré-eleitoral —na pré-campanha ou nela propriamente dita—, quanto durante e após o momento do pleito. Com essas informações, é possível aumentar a transparência do processo eleitoral, elaborar material de consulta especializada com sugestões de melhorias, o que, por sua vez, aumenta a legitimidade dos resultados. Com isso, a sociedade é envolvida em temas complexos ou que estejam sendo rechaçados devido a alguns discursos que surgiram nos últimos tempos, como é o caso das eleições.

No entanto, o trabalho da observação deve ser silencioso e sem a intenção de provocar interferência em qualquer processo relacionado às eleições. Não se trata de uma prática realizada pela autoridade eleitoral e tampouco consiste em fiscalização dos aspectos eleitorais, função esta reservada a outros atores políticos e sociais. A observação eleitoral é algo que deve ser feito com base em critérios pré-definidos, com uma metodologia própria para a coleta e avaliação dos dados e que culmine em um estudo técnico —de preferência público— ao final dos trabalhos.

Para isso, a atividade da observação deve possuir plena neutralidade política diante do pleito, guardando a devida distância de forma a preservar a sua idoneidade e que permita colher e analisar os dados referentes aos procedimentos adotados pelas instituições e atores políticos de maneira técnica e profissional. Além disso, o resultado deste trabalho deve ser sempre colaborativo com as instituições, apontando caminhos sem intenção de afrontar autoridades e competências institucionais, mesmo que seja através da crítica.

Na América Latina, tivemos uma verdadeira profusão de missões de observação eleitoral a partir dos anos 2000. Alguns países da região já aderiram a esta prática há décadas. É o caso da Colômbia e da Bolívia que, com base nos dados da Organização dos Estados Americanos (OEA), já contam com 14 e 18 missões internacionais, respectivamente. Porém, foi a partir deste novo século que muitos outros países se somaram, em especial nos últimos dez anos, quando países antes resistentes à prática decidiram permitir a realização de missões em seus territórios. É o caso dos Estados Unidos e do Brasil, que contam com exatamente duas missões da OEA.

Mulher em local de votação para as eleições regionais em El Alto, na Bolívia
Mulher em local de votação para as eleições regionais em El Alto, na Bolívia - Claudia Morales - 11.abr.21/Reuters

Podemos listar algumas razões para esta “resistência” por parte de alguns Estados latino-americanos. A partir da terceira onda redemocratizadora dos anos 1980, havia muita esperança no continente sobre a democracia e sua definitiva permanência. Afinal, vários países estavam saindo de regimes ditatoriais militares e não desejavam mais seguir este caminho. A adesão à democracia era alta, como os próprios dados do Latinobarômetro da época indicavam. Aqui, podemos mencionar o relatório de 1997 que indicava um apoio à democracia de 63%, o ponto mais alto da série.

Diante desse quadro, os países pouco se preocuparam em manter a democracia íntegra, por entenderem que aderir a ela, realizar eleições periódicas e ter voto universal já era uma estratégia suficiente para manter este apoio em altos percentuais. Sendo assim, por que preocupar-se em buscar meios de legitimar processos eleitorais que, até então, aparentavam já usufruir desse status?

Esta compreensão até mesmo limitada do que seja observação eleitoral levou diversos governos a simplesmente julgar que a prática não seria necessária, talvez até com uma postura um tanto soberba. Houve uma confusão entre o fato de ter um calendário eleitoral periódico com voto universal e a integridade desses processos eleitorais. Para que uma eleição seja considerada íntegra, é preciso muito mais do que o mero voto no dia previsto para a cidadania. Além disso, nenhum processo, seja eleitoral ou não, é permanentemente isento de revisão e de melhoria, algo que também foi um pouco deixado de lado pelos líderes políticos da região.

No entanto, com o crescente descontentamento social aos governos, a pressão acerca dos procedimentos eleitorais aumentou devido aos rumos que a política latina começou a tomar, levando, em alguns casos, à contestação tanto das eleições quanto das autoridades responsáveis pela organização e administração das mesmas.

As diversas tentativas de burlar as regras do jogo por parte dos atores políticos aliadas com a própria desesperança das sociedades latino-americanas, conduziu a uma preocupante situação que pode ter feito alguns países ver na observação eleitoral um meio de conter os danos já causados e de iniciar a recuperação de seus sistemas políticos no que tange à integridade.

A importância da observação também se reflete em quem a realiza. Existem missões nacionais e internacionais que percorrem o continente com o objetivo de acompanhar eleições e coletar dados, formando uma rede internacional de colaboração que tem como objetivo fortalecer as democracias latinas. Aqui, devemos mencionar o Acuerdo de Lima, uma rede de observação e integridade eleitoral formada por organizações da sociedade civil da América Latina e Caribe no ano 2000 e que tem como principal interesse contribuir com a transparência, legitimidade, legalidade e igualdade nos processos eleitorais. Este monitoramento eleitoral é essencial para a melhora nas eleições e também para o resgate dos valores democráticos na região.

Considerando o que foi dito e o atual panorama, é necessário ampliar a prática da observação eleitoral na América Latina, fortalecendo seus agentes e esclarecendo a cidadania e as instituições sobre seus aspectos e funções. É preciso se preocupar mais com a integridade eleitoral para resgatar o apoio à democracia e, para isso, a observação eleitoral tanto nacional quanto internacional pode ser de grande valia.

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