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Os EUA poderiam criar leis para nos 'proteger'?

Sob a presidência de Joe Biden, os Estados Unidos, defendem mais uma vez uma ordem mundial liberal baseada em regras que se aplicam a todos por igual

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Detlef Nolte

Cientista político e pesquisador associado do German Institute for Global and Area Studies (Giga) e do German Council on Foreign Relations (DGAP). Foi diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos e vice-presidente do Instituto de Estudos Globais e de Área do Giga.

Altos funcionários do governo dos Estados Unidos advertem regularmente seus homólogos na América Latina sobre a crescente presença econômica da China. Isto conduz, de acordo com seu discurso, à dependência e à crescente influência da China sobre as políticas dos governos latino-americanos. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estão exercendo pressão política e econômica sobre os governos latino-americanos para excluir, por exemplo, as empresas chinesas da concessão de licenças 5G. Esta interferência nos direitos soberanos dos Estados independentes não é novidade para a América Latina como o tradicional “quintal” da potência do Norte. Mas agora esta interferência também é evidente na Europa.

Joe Biden brinda com Xi Jinping
Então vice-presidente dos EUA, Joe Biden brinda com Xi Jinping durante visita do líder chinês a Washington - Paul J. Richards - 25.set.15/AFP

Sob a presidência de Joe Biden, os Estados Unidos, assim como os governos europeus, defendem mais uma vez uma ordem mundial liberal baseada em regras que se aplicam a todos por igual. Mas, ao mesmo tempo, os Estados Unidos reivindicam o privilégio de ignorar essas regras à vontade.

Isto é exatamente o que está acontecendo com as sanções extraterritoriais e unilaterais contra a construção de um gasoduto de gás natural entre a Rússia e a Alemanha através do Mar Báltico. O gasoduto Nord Stream 2 —que reforçará o Nord Stream 1, em operação desde 2012— tem 1.230 quilômetros de comprimento e, no final de março, faltavam apenas 121 quilômetros. Entretanto, os Estados Unidos estabeleceram como meta impedir que o último trecho seja completado com sanções dirigidas a empresas relacionadas ao projeto.

As sanções são baseadas em um ato do Congresso dos Estados Unidos que tem como objetivo autoproclamado a proteção da segurança energética da Europa. Se não se tratasse da Europa, quase se poderia falar de uma lei neo-colonialista. Os Estados Unidos definem e decidem unilateralmente como a Europa preservará sua segurança energética em relação à Rússia e reivindicam o direito de impor sanções às empresas europeias. Alguém pode se sentir tentado a dizer que, com amigos como estes, quem precisa de inimigos?

As sanções às empresas especializadas na colocação de dutos foram inicialmente implementadas sob a administração de Trump e foram expandidas em 2021 para um espectro cada vez mais amplo de empresas relacionadas com a construção do gasoduto, incluindo empresas envolvidas no financiamento do projeto, seguradoras e certificadoras. O novo Secretário de Estado, Antony Blinken, tomou uma posição clara contra o projeto e o governo estadunidense está considerando a nomeação de um enviado especial para frear Nord Stream 2.

O governo alemão considera como ilegais as sanções extraterritoriais dos Estados Unidos que não são legitimadas pelo direito internacional. Para os Estados Unidos, impor multas às empresas europeias que estão fazendo negócios legitimamente é uma violação da soberania europeia. Além disso, os Estados Unidos querem lucrar economicamente com as sanções e externalizar os custos de sua política contra a Rússia.

Uma decisão do governo alemão de não continuar com o projeto poderia ser dispendiosa. As empresas envolvidas no projeto poderiam legalmente reclamar danos estimados em cerca de 10 bilhões de euros. Como alternativa ao gás russo, a administração Trump estava promovendo o gás natural liquefeito (GNL) estadunidense, chamado de “gás da liberdade”, cujo preço muitas vezes não é competitivo com o gás russo. E, enquanto os EUA estão preocupados com a dependência energética da Europa, a agência Bloomberg relatou que, de acordo com seus cálculos, os embarques de petróleo russo para os EUA atingiram um recorde no ano passado.

A Rússia inclusive ultrapassou a Arábia Saudita para se tornar o terceiro maior fornecedor de petróleo para os Estados Unidos. Os ganhos cambiais de Putin —em dólares estadunidenses— parecem ser menos preocupantes para os Estados Unidos do que suas receitas com a venda de gás natural para a Europa.

O gasoduto não aumentará a dependência energética da Rússia; a longo prazo, a demanda de gás natural diminuirá devido à transição para a energia renovável na Europa. Seria uma estratégia mais inteligente e menos conflituosa para os Estados Unidos ajudar a acelerar este processo. E, como fase intermediária, o gás natural, de qualquer forma, é mais ecológico do que o carvão.

Se a interrupção da etapa final do Nord Stream 2 se concretizar, a Rússia poderia extorquir dinheiro da Ucrânia transportando menos (ou, no caso extremo, nenhum) gás através dos gasodutos que atravessam e abastecem o país vizinho. Estes efeitos secundários podem ser tratados de outras formas (como já aconteceu com as garantias para a Ucrânia) e não requer necessariamente a detenção do Nord Stream 2.

É certo que também há objeções ao gasoduto na Alemanha e em outros países da Europa. É discutível se, do ponto de vista ecológico, Nord Stream 2 voltaria a ser construído hoje. As sanções podem ser justificadas sob determinadas condições, mas não devem minar a mesma ordem jurídica internacional que pretende proteger. A lei não pode ser aplicada retroativamente às empresas europeias que se comprometeram com o projeto sob outras condições, os contratos devem ser respeitados —a Rússia cumpriu suas obrigações contratuais com a Alemanha no passado— e as leis nacionais não devem ser aplicadas às empresas de países terceiros que se comportam de acordo com as leis locais.

Se a Europa não pode proteger suas empresas das sanções ilegais dos EUA, o que acontecerá com a tão invocada autonomia estratégica? Talvez as futuras cúpulas UE-ALC devam incluir o tema das transgressões dos EUA na agenda e adotar uma posição comum; especialmente porque o tema não é novo na América Latina.

Talvez em algum momento ocorra a um senador estadunidense criar uma lei para proteger a América Latina da China e sancionar as empresas que fazem negócios com o país asiático. Isto parece um exagero? Se os Estados Unidos conseguem impor sua legislação mesmo na Europa, o que os impede de fazê-lo na América Latina? Deve-se ter precaução quando os Estados Unidos declaram sua intenção de proteger seus amigos

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