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Um PT sem autocrítica poderia reeleger Bolsonaro

Embora menos absurdo que a paranoia obscurantista atualmente no poder, o devaneio petista também é nocivo ao Brasil

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Leonardo Weller

Doutor em história econômica pela London School of Economics, professor da FGV/EESP

Os petistas se recusam a avaliar criticamente os governos Lula e Dilma. O partido insiste em uma narrativa equivocada que é capaz de reeleger Bolsonaro no ano que vem. Embora menos absurdo que a paranoia obscurantista atualmente no poder, o devaneio petista também é nocivo ao Brasil.

O PT não reconhece os desacertos que jogaram o país na pior recessão de sua história nos anos 2010. Assim, o partido sugere que Lula adotará as mesmas políticas econômicas desastrosas de sempre em um eventual terceiro mandato. Trata-se de combustível para o antipetismo que turbina Bolsonaro.

Além disto, ao desqualificarem todos que não se alinham ao PT, tachando-os de “golpistas” e “neoliberais radicais”, petistas reduzem as chances de atraí-los em uma disputa com Bolsonaro no segundo turno de 2022.

O desastre econômico petista ocorreu aos poucos. Em seu primeiro governo, Lula enfrentou grandes desafios e entregou resultados surpreendentes graças a uma coalisão programática virtuosa que, infelizmente, não durou muito.

Políticas redistributivas como o Bolsa Família são importantes, mas somente com um sustentável processo de crescimento é possível reverter séculos de exclusão social. Para tanto, são necessárias políticas econômicas previsíveis, capazes de proteger a estabilidade da moeda, garantir o equilíbrio das contas fiscais e fortalecer o ambiente de negócios.

No segundo governo Lula, ficou patente que este não era o objetivo do PT. Sua meta era expandir o gasto público e intervir na economia através de empresas estatais e autarquias como o Banco Central, seguindo a cartilha de economistas petistas.

A reviravolta na orientação econômica começou com a ascensão de Dilma e Mantega, já no fim do primeiro mandato de Lula, substituindo a equipe que havia garantido as bases do crescimento dos anos 2000. A gastança se acelerou com a crise internacional de 2008 e se exacerbou no governo Dilma, quando os resultados ruins começaram a aparecer.

Subsídios caríssimos não elevaram o investimento. A inflação ultrapassou a meta, mas o governo obrigou o Comitê de Política Monetária (COPOM) a cortar a taxa básica de juros em 2011. Daí em diante, Dilma congelou preços administrados em uma desastrada tentativa de controlar a inflação.

Trata-se de uma flagrante inversão de prioridades. Políticas macroeconômicas devem manter a economia estável para que empresas invistam, trabalhem e produzam mais. A presidente fez o oposto, usando empresas estatais como instrumento para atingir metas macroeconômicas. Como resultado, a economia entrou em estagflação (recessão inflacionária).

O virtuosismo do primeiro governo Lula deveu-se em parte ao presidente e demais lideranças petistas que montaram uma equipe capaz de combinar estabilidade econômica com políticas de distribuição de renda. Mas os méritos do partido param por aí. Ao se distanciarem dos consensos econômicos construídos no início dos anos 2000, o segundo governo Lula e o primeiro Dilma produziram um verdadeiro desastre. A estagflação da década de 2010 castigou sobretudo os mais pobres, revertendo as conquistas sociais do decênio anterior.

A despeito de seus tremendos desacertos, porém, o PT se recusa a fazer autocrítica. Quando se reapresentou politicamente ao país, no mês passado, Lula aderiu a sua corriqueira realidade paralela, caracterizando a Petrobras como uma “estatal bem administrada”.

Não foi apenas a corrupção que vitimou a maior empresa brasileira: a interferência governamental em preços de combustíveis e leilões de campos de petróleo causou estragos ainda maiores. A corrupção é terrível, mas não é nossa pior mazela. Provavelmente não nos tornaríamos um país desenvolvido apenas com políticos honestos, mas teríamos alguma chance se não insistíssemos em políticas econômicas erradas.

Sem assumir tal fracasso na condução da economia, só resta ao PT explicar a derrocada do partido com base em teorias da conspiração. Sim, a condenação de Lula e o impeachment de Dilma foram ilegítimos. Contudo, ambas atrocidades institucionais só ocorreram no Brasil em função da crise econômica gestada por estes dois ex-presidentes. Mais do que uma simples vingança da elite, a queda do PT foi consequência de seus próprios equívocos.

Economia e política são forças interdependentes que se relacionam de forma notavelmente complexa. Presidentes têm maior probabilidade de não se reelegerem quando o país está em estagflação. Em consequência, Dilma quase perdeu em 2014 e Bolsonaro pode fracassar no ano que vem.

Entretanto, quando crises econômicas são muito profundas, a própria democracia é capaz de ruir. Foi o que ocorreu em 1964 e, de um modo mais gradual, mas igualmente infeliz, está em curso no Brasil desde 2014.

A insistência do PT em uma visão equivocada do passado recente fortalece o projeto autoritário bolsonarista, contrabalançando os efeitos deletérios de sua apavorante “necropolítica”. Esta narrativa petista inviabiliza uma coalizão ampla de democratas brasileiros —incluindo aí petistas—, cuja força eleitoral poderia livrar o país da autocracia que Bolsonaro pretende impor ao país.

O desastre econômico dos anos 2010 foi antes de mais nada obra do PT; o bolsonarismo foi sua consequência política. Para que a história não se repita, é imperativo que os culpados reconheçam seus erros.

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