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Desde a vitória de AMLO, a sociedade mexicana tem se tornado cada vez mais polarizada

Virulência caracteriza o debate e a 'comentocracia' domina grande parte da mídia

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Gabriel Gaspar

Cientista político, foi professor na UAM e Unam (México), no Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile e na Academia Diplomática Andrés Bello.

Os mexicanos compareceram às urnas no domingo (6). Elegeram 500 deputados, 15 governadores (de 32) e quase 2.000 presidentes municipais, assim como autoridades locais. A consulta ocorreu no meio do mandato presidencial e se tornou um referendo sobre a administração de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), assim como aconteceu com seus antecessores.

Os resultados preliminares são variados, o que, como geralmente acontece, permite que cada ator político destaque os dados que o favorecem. Para essas eleições, os principais partidos formaram duas grandes alianças.

A coalizão governista foi formada pelo Morena (Movimento de Regeneração Nacional), fundado por AMLO, pelo Partido Verde Ecologista e pelo Partido do Trabalho. Entre eles, tiveram uma maioria absoluta no Congresso.

Presidente mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador, após votar na Cidade do México - Alfredo Estrella - 6.jun.2021/AFP

Um fenômeno sem precedentes ocorreu na oposição. Após o furacão da vitória de AMLO três anos atrás, que varreu os partidos tradicionais, eles iniciaram um processo de convergência que amadureceu para estas eleições. Assim, se aliaram o velho PRI, o PAN, de direita, e o social-democrata PRD. O objetivo era evitar que o governo chegasse a uma maioria qualificada e fosse capaz de reformar a constituição.

O governo começou há três anos com um programa de mudanças, a chamada Quarta Transformação, 4T, que busca combater a corrupção, atender às demandas sociais e operar uma renovação da política. Desde então, a sociedade mexicana tem se tornado cada vez mais polarizada. A virulência caracteriza o debate e a "comentocracia" (o mundo dos comentaristas) domina grande parte da mídia, especialmente na capital.

O governo não fica para trás. Desde o início, AMLO vem realizando conferências de imprensa de manhã cedo, las mañaneras, nas quais comparece entregando sua mensagem. Poucos deixam de reconhecer que o presidente se comunica com uma boa parte da população e também marca agenda.

Os polos do debate vão desde a denúncia da oposição de um novo autoritarismo, até a condenação do corrupto capitalismo de camaradagem, capitalismo de cuates, do qual o presidente acusa a seus adversários.

Os resultados da eleição

Admitamos que cada eleição tenha vários resultados: o numérico, o político e o de comunicação. Numericamente, o Morena e seus aliados perderam a grande maioria que tinham no Congresso, mas mantiveram a metade mais um, de forma que poderão aprovar leis e orçamentos, mas não o suficiente para aprovar reformas constitucionais.

A oposição, por sua vez, conseguiu bloquear futuras reformas da Constituição e impediu que o partido governista obtivesse maioria qualificada, mas continua sendo uma minoria no Congresso e no país.

Diante desta situação, cada lado celebra o que é conveniente para cada um. Isso na Câmara de Deputados. Porque nas eleições para governadores, Morena deu uma surra e levou 11 dos 15 cargos de governador, o PAN só ganhou dois e o PRI perdeu todos os que tinha.

Os números acima são os números. Politicamente, a aliança da oposição permitiu que esta recuperasse parte das cadeiras parlamentares perdidas há três anos. A maior fatia vai para o direitista PAN, que elege mais da metade dos deputados de oposição. O PRI ficou em segundo lugar e o PRD quase perdeu seu registro devido ao voto muito baixo que obteve.

Em suma, a aliança serviu bem à oposição, mas a alguns mais do que a outros. No total, a aliança eleitoral foi convincente e os três partidos proclamaram sua vontade de mantê-la no Congresso. Provavelmente a projetarão para as eleições presidenciais. Em outras palavras, teremos uma oposição unida, provavelmente hegemonizada pela direita.

O resultado mediático é o que resta na retina. Como aconteceu naquela cúpula ibero-americana realizada anos atrás, onde foi discutido um documento irrelevante que levou ao inesquecível grito do Rei da Espanha a Hugo Chávez: "porqué no te callas?”.

Nas últimas eleições, poucos se preocuparam com os resultados nas províncias (com exceção de seus habitantes). Os olhos estavam voltados para a capital, onde a oposição levou metade dos municípios. A capital era o baluarte da esquerda e um bastião de AMLO.

Curiosamente nesta ocasião ficou praticamente dividida, entre o oeste (lar da classe média e setores ricos) e o leste (onde vive "a raça", como dizem os mexicanos). No oeste, a aliança da oposição ganhou e no leste o Morena. A hipótese provável é que parte dos setores médios tenha migrado para a oposição.

As eleições na Cidade do México também tiveram efeitos colaterais. Os aspirantes a sucessores de AMLO estavam começando a surgir. Os mais notórios: o ministro Ebrard, das Relações Exteriores, e a chefe do governo da capital, Claudia Sheilbaum. O retrocesso eleitoral da capital compromete as chances deste último.

A explicação está nas dificuldades causadas pela pandemia e pelo acidente na linha 12 do metrô que causou várias mortes e desconfiança nas autoridades. A capital é o lar da maioria da mídia, dos correspondentes estrangeiros e da ampla e sofisticada intelectualidade.

O que está por vir?

A segunda parte do mandato de seis anos está chegando com um governo que mantém muitas divisões, mas agora conta com uma base de governadores. Tem menos deputados, mas mais controle territorial.

AMLO perdeu o impulso esmagador de seu início, mas mantém força suficiente para manter as rédeas do poder. O Morena, portanto, terá que realizar parte de sua ambiciosa proposta e começar a preparar a sucessão do seu líder carismático.

A oposição, por sua vez, se reagrupa. Mas além de se oferecer como um bastião, deve começar a propor um projeto para um país que compita com a 4T na imaginação dos mexicanos. Portanto, mais polarização se observa no horizonte.

Um pouco mais da metade dos cidadãos elegíveis votaram nas eleições. Por quê? A análise rigorosa da votação, de quem votou, onde e por quê, ainda está por ser feita. Por enquanto, vale notar que quase não houve reclamações de fraude, algo tão comum no México recente, quando prevalecia a ideia de que "nunca se chama uma eleição cujo resultado não é conhecido".

A vida continua. AMLO recebeu Kamala Harris na Guatemala e a cumprimentou como "presidente". As relações com os Estados Unidos são a prioridade internacional do México e na agenda estão a migração, o comércio e a luta contra o tráfico de drogas. O esquerdista Morena foi capaz de desenvolver um entendimento realista com os Estados Unidos, não é pouca coisa na América Latina.

As eleições do metade de mandato terminaram e, como aponta o analista político René Delgado, é hora de os principais atores políticos mostrarem que não só sabem como somar –calcular o número de eleitos– mas também como ler, ou seja, interpretar o que a sociedade mexicana está lhes dizendo.

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