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A tempestade cubana transcende o bloqueio

Protestos são resultado de variáveis que transcendem o embargo econômico

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Carlos Ugo Santander

Cientista político, professor e pesquisador associado da Universidade Federal de Goiás. Doutor em sociologia pela Univ. de Brasília e pós-doutorado na Univ. de San Marcos, Peru. Especialista em estudos comparativos sobre a América Latina.

Sob o slogan “Pátria e Vida”, milhares de cubanos saíram às ruas para se manifestar contra o governo. Estes protestos são o resultado de um conjunto de variáveis que transcendem o longo embargo econômico estabelecido pelos Estados Unidos e estão mais vinculados à estrutura econômica, ao contexto autoritário e às decisões tomadas pelo governo de Miguel Díaz-Canel.

Politicamente, somente em um regime autoritário um presidente pode acreditar que seu país pode ser autossuficiente e controlar a pandemia, enquanto rejeita qualquer tipo de acordo, seja com a China, a Rússia ou via Covax – acordo da ONU – para acesso a vacinas. Pelo contrário, o governo está inoculando a população com uma vacina nacional em vias de experimentação e sem evidência de sua eficácia. E embora o índice de mortalidade por Covid-19 seja um dos mais baixos da região, isto se deve em boa medida ao confinamento rigoroso aplicado na ilha.

Na frente econômica, os indicadores para 2019 já mostravam uma desaceleração do PIB de 0,5% e em 2020 a queda foi de 8,5%, segundo a CEPAL. O colapso da economia tem sido catastrófico, especialmente no setor de turismo – que contribui com 10% do PIB – onde mais de 200 mil empregos foram perdidos já que o turismo em 2020 caiu para um quarto do registrado em 2019. E nos primeiros cinco meses de 2021 o número registrou menos de 1% dos visitantes de 2019, quando a ilha ultrapassou quatro milhões de turistas apesar das restrições impostas pelos Estados Unidos que proibiam os cruzeiros de atracar no porto de Havana.

Além do embargo

Calcular o impacto do embargo é muito difícil. Pode ter exacerbado a crise, mas existem outros fatores que contribuíram para a formação dessa tempestade. O ingresso de divisas pelos serviços médicos prestados internacionalmente diminuiu, assim como o acesso ao combustível da Venezuela.

Por outro lado, Cuba continuou uma tendência exportadora de commodities como charutos e cigarros, cana-de-açúcar e sacarose, álcool e metais como o níquel, enquanto importava alimentos e outros produtos de alto valor agregado, como máquinas, veículos e componentes eletrônicos. Entretanto, com a pandemia e a contração do comércio internacional, a situação tornou-se dramática, apesar do fato de, com exceção dos Estados Unidos, a ilha manter relações comerciais normais com quase todos os países do mundo.

A balança comercial cubana tem sido, historicamente, muito deficitária, como a de muitos países. Mas isto não seria um grande problema se a ilha dispusesse de uma política monetária saudável e recursos suficientes para corrigir as distorções e amortecer os efeitos da crise.

Embora os EUA tenham imposto regras mais rigorosas para as empresas norte-americanas, o que encareceu os custos comerciais e restringiu o acesso ao crédito estrangeiro, forçando os cubanos a pagar em dinheiro e antecipadamente através de entidades bancárias de países terceiros, Cuba tem conseguido driblar o bloqueio.

Os problemas estruturais da ilha

O problema básico de Cuba é que o setor produtivo, monopolizado pelo Estado, não tem conseguido dar um salto qualitativo relevante para melhorar suas relações de intercâmbio. Cuba é um dos países com menor sofisticação tecnológica, inclusive abaixo de boa parte dos países da América Latina.

Outro aspecto são as distorções econômicas que contribuem para uma maior especulação e processos inflacionários. Para tentar o solucionar, o governo optou pela unificação monetária a partir de 1º de janeiro deste ano. Desde 1994, Cuba tem três moedas de curso legal: o Peso Cubano, o Peso Cubano Conversível ou CUC e o dólar americano.

Mas uma coisa é a política oficial e outra é o mundo real. A transição para esta correção monetária desencadeou um processo de especulação descontrolado e o mercado paralelo se fortaleceu, o que levou a uma maior desvalorização do peso cubano. A especulação obrigou os cubanos a se refugiar no dólar americano, mas diante da ausência do turismo, o dólar praticamente desapareceu.

Na ausência de dólares, o governo conseguiu vender mercadorias em dólares em 72 supermercados das mais de 5 mil lojas sob seu controle, uma medida que beneficiou poucos cubanos, dado que não são muitos os que recebem remessas do exterior. E o Estado, diante da falta de divisas para comprar produtos essenciais no exterior, acabou abandonando milhares de lojas onde se comprava produtos com pesos cubanos.

Em resumo, a crise do setor exportador cubano, o impacto do embargo imposto pelos Estados Unidos e a correção monetária, somados à escassez, desemprego e confinamento, acabaram asfixiando o regime autoritário e, sobretudo, os cubanos comuns que não aguentam mais.

A crise não tem sinais de ser resolvida a curto prazo e a equação aparentemente só poderia ser resolvida com ajuda internacional. Enquanto isso, a insatisfação pública poderá continuar recorrendo às ruas, buscando – mais do que uma saída para a crise sanitária – evitar que se instale uma crise humanitária vinculada ao severo déficit nutricional.

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