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Haiti: pobres em demasia e Estado insuficiente

Executivo foi dissolvido, Legislativo e Judiciário não funcionam, e 60% da população vive na pobreza no país

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Gabriel Gaspar

Cientista político, foi professor na UAM e Unam (México), no Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile e na Academia Diplomática Andrés Bello.

O assassinato do presidente Jovenel Moïse abre um cenário de incerteza no Haiti, como também no seu ambiente regional imediato.

A primeira questão é: quem está no comando?

Obviamente, aquele que controla a polícia, o Exército e que também é reconhecido pelos EUA.

Até agora, Claude Joseph, que era primeiro-ministro na época do assassinato do presidente, é quem detém as rédeas do poder após decretar o estado de sítio.

Em Porto Príncipe, capital do Haiti, homem coloca flores perto do palácio presidencial em memorial em homenagem ao presidente Jovenel Moïse, que foi assassinado
Em Porto Príncipe, capital do Haiti, homem coloca flores perto do palácio presidencial em memorial em homenagem ao presidente Jovenel Moïse, que foi assassinado - Ricardo Arduengo - 14.jul.2021/Reuters

Os três ramos do Estado são acéfalos

Institucionalmente, a crise não poderia ser maior, uma vez que os três ramos do Estado estão agora sem cabeça.

O ramo executivo foi drasticamente dissolvido. O Congresso não funciona na prática desde 2020, uma vez que as eleições correspondentes não foram convocadas em 2019. O Judiciário também não funciona por várias razões, e dois dias antes da sua morte o presidente nomeou um novo primeiro-ministro, Ariel Henry, que não sucedeu a Claude Joseph.

Para complicar mais a situação, a Constituição haitiana estabelece que Moïse deve ser substituído pelo presidente do Supremo Tribunal, que morreu recentemente de Covid.

Portanto, o que resta do Senado –10 de um total de 30 senadores– concordou em nomear Joseph Lambert, o até agora presidente do Senado, como novo presidente. Mas o primeiro-ministro interino ignorou por enquanto a nomeação.

O poder dos bandos do Haiti

Para além do setor formal, contudo, o Haiti tem uma proliferação de bandos. Bandos fortemente armados que controlam certos territórios, especialmente na capital.

Estão organizados no “G9”, uma federação criminosa liderada por Jimmy “Barbecue” Cherizier, um antigo policial que usa linguagem populista, é crítico em relação aos “oligarcas” e tem mantido ligações com setores do partido no poder.

Ele não é o único; muitos observadores notam ligações entre os líderes políticos e empresariais e essas organizações criminosas.

Esses bandos desenvolveram-se devido à fraqueza do Estado em garantir a segurança. Para dar uma ideia, só em junho assassinaram 30 policiais e efetuaram mais de 200 raptos.

A força policial de 15 mil homens, ainda em processo de desenvolvimento, não controla a totalidade do território.

O governo Moïse ordenou recentemente a reconstrução das Forças Armadas, que foram desmanteladas há anos, e o primeiro contingente de 500 soldados está atualmente a completar a sua formação, com a assistência mexicana.

Consciente da precariedade da situação, o primeiro-ministro interino pediu aos EUA todo o tipo de apoio.

Mas, por agora, nem os EUA nem a ONU estão em posição (quanto mais convencidos) de enviar tropas para a ilha.

Até a morte e Moïse, tanto os EUA como as organizações multilaterais tinham exigido que o presidente convocasse eleições e entregasse o poder em 2022.

Essas eleições tinham sido convocadas para setembro deste ano, mas no contexto atual é impensável que possam ser realizadas em condições minimamente aceitáveis.

A se juntar ao caos político está o desastre econômico que se aprofundou ainda mais com a pandemia de coronavírus.

Segundo dados da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e do Banco Mundial, 60% da população vive na pobreza (cerca de 6,3 milhões), 24% da qual em extrema pobreza; a insegurança alimentar crônica afeta metade da população, enquanto os dólares estão a tornar-se cada vez mais escassos.

E, embora a migração tenha sido uma válvula de escape tradicional para os haitianos, a pandemia bloqueou-a ao fechar as fronteiras.

No entanto, um aprofundamento da crise poderia levar a uma emigração em massa.

Em primeiro lugar, em direção à República Dominicana, que de momento fechou as suas fronteiras com cerca de 9.000 soldados.

Outro destino, mais desejável, mas mais difícil de alcançar, é a Flórida, onde muitos barcos –sem sistemas de navegação– acabam por chegar ao largo da costa de Santiago de Cuba, enquanto em menor medida outros procuram a Guiana Francesa.

Antes da pandemia, os migrantes haitianos preferiam o Brasil e especialmente o Chile.

No âmbito internacional, o assassinato do presidente levanta várias questões: quem contratou os mercenários colombianos, quem controla as ações das empresas de segurança privadas que os recrutam e equipam, e como são controlados?

Até o momento, as investigações apontam para a CTU Security, que opera a partir de Miami e é propriedade do cidadão venezuelano Antonio Intriago Valera, que tem bons parceiros na Colômbia.

Localmente, a questão que permanece por responder é quem são os mandantes do assassinato.

Para além dos perpetradores e dos motivos da morte do presidente, a questão subjacente no Haiti é a falta de institucionalidade num país historicamente saqueado pelas potências coloniais e devastado pelo açúcar amargo, que dizimou uma grande parte do campesinato para concentrar a terra e a riqueza nas mãos de uns poucos.

Em suma, um país com muita pobreza e pouco Estado.

Tradução de Dâmaris Burity

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