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O fujimorismo estica a corda

Há uma estratégia perigosa: tentar subverter a ordem constitucional e impedir a proclamação de Castillo como presidente

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Carlos Ugo Santander

Cientista político, professor e pesquisador associado da Universidade Federal de Goiás. Doutor em sociologia pela Univ. de Brasília e pós-doutorado na Univ. de San Marcos, Peru. Especialista em estudos comparativos sobre a América Latina.

A arbitragem dos órgãos nacionais –o Júri Nacional de Eleições e o Escritório Nacional de Processos Eleitorais– e os observadores internacionais, incluindo a OEA, declararam que as eleições peruanas foram isentas de objeções, limpas e transparentes. Porém, o partido Força Popular, de Keiko Fujimori, que está perdendo a eleição, desenvolveu uma estratégia legal sob a tese de que há fraude em várias mesas de votação onde a candidata não se viu beneficiada, e que, no suposto caso de que os votos dessas mesas fossem anulados, poderia se reverter os 44.240 votos que a distanciam de Pedro Castillo.

Os prazos para a apresentação de anulações são definidos por lei. Assim, 594 dos 943 pedidos de anulação estão pendentes de recurso. Estes foram rejeitados em primeira instância pelo órgão eleitoral por estarem fora do tempo. Mas a defesa de Força Popular insiste que o prazo é uma mera formalidade e que devem ser discutidas as questões substantivas das denúncias.

No Peru, um dos princípios em que se baseiam os processos eleitorais é que eles são preclusivos, ou seja, o ato que não foi realizado dentro do tempo estabelecido não pode acontecer, e peremptório, sem prórroga. Ou seja, se os atos não estivessem sujeitos aos critérios estabelecidos afetariam o próprio calendário eleitoral e abririam uma brecha para que as ações legais se desenvolvessem infinitamente, descaracterizando o processo eleitoral em detrimento do adversário e da própria institucionalidade democrática.

Os recursos de Keiko Fujimori

Este é o objetivo da defesa da Força Popular ao apresentar este conjunto de recursos. Um deles é o Habeas Data, para obter a lista eleitoral e criar processos paralelos a fim de provar uma "fraude" de assinaturas falsas. Outros exemplos são os pedidos de nulidade de seções eleitorais com várias falhas processuais, tais como o não pagamento das taxas oficiais, o pedido de uma perícia do sistema informático –que já havia sido validado por todas as partes antes das eleições– e a apresentação de supostos relatórios de peritos com interpretações ajustadas aos seus interesses e sem critérios técnicos ou como estabelecido pela lei.

A iniciativa do partido derrotado é a de tentar atrasar o processo eleitoral. De fato, os órgãos eleitorais consideram que a anulação de seções eleitorais vai contra o próprio sentido legal do Estado de direito e aplicar uma decisão que viola direitos, como a anulação de votos, vai contra o próprio sentido da lei.

O pano de fundo do processo é que uma das partes procura ganhar a qualquer custo em detrimento da vontade popular e sem provas, como exigido por lei. Pelo menos até agora, os órgãos eleitorais têm agido de forma neutral. Quase todas as solicitações que foram aceitas dentro do prazo foram rejeitadas por não estarem em conformidade com a lei. Sem prova não há fraude, apenas especulação.

Sem mudar as regras no meio do jogo

Há um consenso de que as regras que regem uma eleição não devem ser alteradas no meio do processo, em benefício de uma das partes. Alterá-los seria ir contra a ordem constituída. Mas além da estratégia legal, há uma estratégia mais perigosa, que é a de tentar subverter a ordem constitucional e impedir a proclamação de Pedro Castillo como presidente da República, o que implicaria um golpe de Estado.

Neste contexto, alguns meios de comunicação que se opõem ao professor Castillo, e que apoiam mobilizações populares a favor de Keiko Fujimori, procuram pressionar os órgãos eleitorais a transgredir suas próprias resoluções, a Lei Orgânica das Eleições, e até mesmo aquelas resoluções baseadas na jurisprudência do Tribunal Constitucional.

O primeiro movimento que incitou à subversão da ordem constitucional foi o do congressista e ex-almirante Jorge Montoya, de extrema-direita, que apelou à sedição e ao não reconhecimento dos resultados das eleições. Montoya foi imediatamente denunciado pelo Ministério Público, uma instituição que agiu de forma ponderada –dado o delicado momento político– ao não solicitar prisão preventiva ou ao colocá-lo sob a lei de crimes terroristas.

Entretanto, alguns dias depois, mais de 300 ex-oficiais das três forças armadas assinaram uma carta dizendo que não iriam reconhecer Castillo como presidente. O presidente Francisco Sagasti foi enérgico e ordenou que todos os signatários fossem investigados e processados pelo Ministério Público.

Por outro lado, em um editorial recente, o jornal El Comercio, um dos mais influentes jornais do Peru, e que apoiou a candidatura de Keiko Fujimori, expressou a necessidade de respeitar a ordem constitucional e as decisões dos órgãos eleitorais. Os poderes de fato, como os militares em serviço, expressaram sua oposição a tomar partido em eventos eleitorais, fundamentalmente porque não são forças deliberativas. O setor empresarial também está apostando no caminho da institucionalidade, ao mesmo tempo que pressiona Castillo a moderar seu programa político.

Em qualquer caso, o que pode ser visualizado a curto prazo são dois cenários. Um deles é a obstrução ao governo de Castillo, numa lógica de jogo de soma zero, onde o Legislativo não coopera e corre o risco de ser dissolvido de acordo com os preceitos constitucionais. Neste contexto, o presidente poderia convocar novas eleições legislativas e assim ter a oportunidade de mudar a correlação de forças.

O outro cenário é que as relações entre o Executivo e o Legislativo sejam uma extensão da atual disputa eleitoral, onde a oposição a Castillo procura sabotar o país e empurrá-lo para posições mais radicais, a fim de provocar uma ruptura que poderia ser prejudicial à própria democracia.

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