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O que significa a desistência da candidatura de Luciano Huck?

A ausência do apresentador da disputa presidencial é bastante insignificante para o pleito de 2022

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Carolina de Paula

Doutora em ciência política pelo Iesp/Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos/Universidade Estadual do Rio de Janeiro), consultora da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e consultora em pesquisas eleitorais e estudos de mercado

No dia 16 de maio, o apresentador de televisão Luciano Huck concedeu uma entrevista ao jornalista Pedro Bial, na Rede Globo, em que afirmou que está oficialmente fora da corrida eleitoral de 2022.

O principal motivo da desistência seria a manutenção do seu contrato com a TV Globo, assumindo a partir do ano que vem o principal programa de entretenimento da emissora carioca.

Curiosamente, nos dias seguintes à entrevista foi possível observar uma razoável agitação entre os jornalistas que se dedicam à cobertura da política nacional.

Na condição de analista de pesquisas de opinião e cenários eleitorais, e motivada pela interpelação de alguns deles sobre “o destino dos votos de Luciano Huck”, avalio que a desistência do apresentador é bastante insignificante para o pleito de 2022.

​O que as pesquisas de intenção de voto revelam?

Um erro bastante comum ao ler pesquisas de intenção de voto é interpretá-las como expressão fiel e consolidada dos desejos do eleitor.

O erro é ainda maior se considerarmos as atuais sondagens, realizadas com tamanho distanciamento da próxima eleição (outubro de 2022).

Não é raro encontrarmos análises, originadas a partir da divulgação dos percentuais de pesquisas, afirmando que a disputa à Presidência está polarizada –entre o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), e o ex-presidente Lula (PT)–, mas que ainda há espaço para uma terceira via, já que a soma de todos os outros nomes apresentados ao entrevistado seria razoável, de 25% a 30%.

Antes de abordar os problemas desse argumento, vale destacar que a ideia de “polarização” sobre o cenário eleitoral brasileiro é bastante equivocada.

Ela equipara um candidato de extrema direita que vem desafiando dia após dia as instituições do Estado democrático de Direito –questionando a lisura do pleito e sinalizando uma possível não aceitação do resultado eleitoral– a um candidato de esquerda que atua no campo da democracia e respeita as regras do jogo.

Dito isso, comecemos a tratar do argumento relativo à existência de “25% a 30% das intenções de voto para um candidato da terceira via”.

Se não lembrarmos que os cenários estimulados (aquele em que o entrevistador dita as opções de nomes) são artificiais, acabamos nos convencendo desse argumento.

Contudo, o cenário espontâneo, em que o entrevistado não recebe as opções de nomes pelos institutos, revela que nesse momento, de acordo com a pesquisa Datafolha, 49% das pessoas simplesmente não sabem em quem votar.

Lula lidera com 21%, Bolsonaro marca 17% e Ciro Gomes teria 1% das menções espontâneas (“outros candidatos”, 2%; “em branco/nulo/nenhum”, 8%).

Assim, parece que o principal recado das atuais pesquisas é a inexistência de uma “terceira via” na cabeça do eleitor. Huck, por exemplo, nem sequer marcou 1%.

O apresentador Luciano Huck faz careta durante palestra no Festival de Cultura Empreendedora, em São Paulo
O apresentador Luciano Huck durante palestra no Festival de Cultura Empreendedora, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 20.out.2017/Folhapress

Ainda que ignoremos esse elemento e passemos a olhar para os cenários artificiais, ou seja, os estimulados, a situação também não melhora.

É certo que existe uma expressiva parcela do eleitorado que não gostaria de votar nem em Lula nem em Bolsonaro, porém o que precisa ser levado em consideração é a variedade de perfis dentro dessa fatia.

Análises com microdados das atuais sondagens revelam que esse eleitor seria tendencialmente de centro-direita. Porém existe ampla gradação na escala de preferências políticas ligadas à agenda de costumes e econômica desse segmento.

Potencialmente, nessa mesma fatia existe ainda um eleitor que estaria ideologicamente mais à esquerda de Lula e dificilmente votaria em um candidato de centro-direita.

Assim, a ilusão dos “25% a 30% do candidato da terceira via” começa pouco a pouco a derreter.

A simplicidade das interpretações que creditam à classe política a mera decisão da escolha de um nome para representar a “terceira via” abstrai a complexidade desse desafio.

Esquece que o outro lado da equação, ou seja, que o eleitorado que não deseja votar nem em Lula nem em Bolsonaro compõe um imenso mosaico de pretensões e expectativas sobre o próximo presidente e seu projeto de país.

Montagem mostra o ex-presidente Lula (PT) e o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), olhando um para o outro, com o semblante sério
O ex-presidente Lula (PT) e o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), que podem ser rivais na eleição presidencial de 2022 - Marlene Bergamo/Folhapress e Adriano Machado/Reuters

Dificilmente haverá um único nome capaz de aglutinar tantos interesses em torno de si. A consequência disso será novamente um cenário eleitoral em 2022 com variadas candidaturas, cada uma disputando um pedacinho dessa faixa.

Reconfigurações e possíveis cenários futuros

Agora, podemos voltar ao ponto inicial em que afirmo a insignificância da desistência de Huck.

O apresentador da Globo não altera o atual cenário eleitoral porque não deixa “herança” para nenhum outro adversário, tendo em vista a heterogeneidade de preferências que essa fatia do eleitorado engendra.

Além do mais, o suposto percentual do voto em Huck (4%, de acordo com o Datafolha) era artificial, visto que ele nem sequer pontuava nas sondagens espontâneas.

Dados de pesquisas de intenção de voto são importantes para orientar candidatos e partidos. Ajudam também a identificar rejeições, a formar alianças e a definir as temáticas das campanhas.

Porém nunca é demais lembrar que existem reconfigurações nesses cenários quando as candidaturas são oficialmente lançadas e o eleitor precisará decidir entre nomes reais, e não em especulações partidárias ou mesmo oriundas do mercado e da mídia.

A pandemia da Covid ainda domina as preocupações dos brasileiros, e com razão. A esta altura do jogo, creditar alguma importância à fracassada candidatura de Luciano Huck é uma quimera.

Doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ. Diretora Executiva DataIESP e consultora da UNESCO da avaliação de impacto social do Programa Gol do Brasil da CBF. Consultora em pesquisas eleitorais e estudos de mercado.

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