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Início turbulento para o governo de Pedro Castillo

Opositores enfatizam insistentemente qualquer coisa que contribuísse para minar a legitimidade do presidente

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Carlos Ugo Santander

​Algumas semanas depois de tomar posse, Pedro Castillo, como qualquer presidente, realizou duas tarefas típicas daqueles que assumem as rédeas do governo: nomear os seus ministros e distribuir postos entre os seus apoiadores de confiança. Ambas as decisões geraram controvérsia e levaram os seus opositores a enfatizar insistentemente qualquer coisa que contribuísse para minar a legitimidade do presidente.

De acordo com a constituição peruana, o presidente tem trinta dias para apresentar o seu gabinete ministerial e apresentar a Política Geral do governo ao Congresso, que é o órgão que concede ou não a confiança aos ministros. Em outras palavras, apoiam a continuidade ou não dos seus cargos, semelhante aos sistemas parlamentares, mas com a diferença de que o Congresso peruano tem apenas duas oportunidades para negar a confiança ao gabinete e as propostas do governo. Se a segunda vez o Congresso aprovar a censura, o presidente pode fechar o Congresso e convocar novas eleições legislativas.

Os primeiros atritos entre o governo e a oposição

O primeiro gabinete de Castillo ainda não foi apresentado ao Congresso. Contudo, Hector Bejar, um antigo guerrilheiro dos anos 60, foi pressionado a renunciar seu cargo de ministro das relações exteriores por causa de uma declaração que foi apontada pela oposição como uma afronta à Marinha peruana por estar ligada a práticas de terrorismo de Estado. Após a renúncia de Bejar, os fatos foram confirmados por alguns jornalistas que verificaram na época o modus operandi de alguns membros das forças navais. A verdade é que Bejar renunciou, mas as declarações deixaram a instituição militar numa má perspectiva.

Outra acusação contra o gabinete do presidente Pedro Castillo foi que o Primeiro Ministro, Guido Bellido, tinha elogiado os membros do movimento terrorista Sendero Luminoso na sua conta privada dos meios de comunicação social há mais de oito anos. A controvérsia conduziu a uma investigação por parte do Ministério Público, como se a lei sobre apologia ao terrorismo não fosse suficiente. Bellido pode ser comunista, mas não há nenhuma lei que declare essa tendência ilegal. Além disso, Bellido tem se portado com uma certa prudência e moderação frente às posições intolerantes da extrema direita.

Por outro lado, após um segundo turno extremamente polarizado, era de esperar que o início do governo tivesse uma taxa de desaprovação de 46%, tal como aponta a pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos. Existe uma clara incerteza entre os setores que votaram em Castillo porque, embora a maioria dos novos funcionários ainda não tenha sido nomeada, houve alguns casos que levantaram questões porque não têm a formação adequada ou a experiência que os ligaria à função pública. Estes casos, divulgados publicamente, têm contribuído para baixar as expectativas da gestão governamental do professor.

Dada a controvérsia associada ao seu primeiro-ministro, a oposição vem ensaiando a possibilidade de destituição do presidente, uma vez que a destituição (vacância) é sempre possível no sistema político peruano. Mas no caso atual peruano, isto é improvável, uma vez que certos requisitos devem ser cumpridos para que ela se concretize.

Requisitos para destituir o presidente do cargo

O primeiro requisito refere-se a um dos fundamentos invocados pela oposição, que é o de declarar o presidente moralmente inapto. A figura de vacância é imprecisa, dado que esta figura não é um ato de natureza judicial – como é o caso do impeachment, que geralmente envolve uma denúncia, a caracterização necessária do crime, investigação e recolha de provas, testemunhos, relatórios, apresentação de argumentos de defesa, etc. – mas sim um ato fundamentalmente político. Dessa forma, o ato imoral cometido pelo presidente pode ser esticado à esquerda e à direita pelos atores envolvidos.

O segundo requisito é que a oposição deve obter os votos para aprovar a vacância. Ao contrário de um impeachment, que é geralmente um processo mais longo, a vacância ou destituição do presidente no Peru pode ter lugar em duas sessões do Congresso. Na primeira, deve ser aprovada uma moção (pedido prévio), que debate a demissão do presidente por maioria simples (66 votos), conduzindo a uma sessão posterior em que é debatida a aprovação ou não da vacância.

Após a aprovação da moção, são necessários pelo menos 87 votos para que a destituição do presidente seja aprovada. Em outras palavras, embora Pedro Castillo não tenha a maioria no Congresso, precisa de 43 congressistas para se opor à vaga. Mas quantos votos tem hoje Pedro Castillo? Castillo tem 37 membros do Congresso, mais outros cinco do partido Juntos por el Perú, um parceiro do governo. Falta-lhe, portanto, apenas um voto, que poderia ser obtido junto dos partidos do centro ou de parlamentares independentes. Por enquanto, esta situação é bastante improvável.

Contudo, deve ter-se em conta que os mecanismos à disposição dos deputados da oposição para obstruir a política governamental são numerosos. Por exemplo, podem constantemente convocar ministros para as comissões do Congresso, criar comissões parlamentares de inquérito, censurar ministros, realizar interpelações ou procedimentos parlamentares que podem dificultar a atividade normal do executivo.

Embora o presidente, Pedro Castillo, tenha deixado vários flancos abertos na administração do governo, a sua maior fraqueza está na frente doméstica. A verdade é que as previsões catastróficas da oposição de que o governo procuraria levar o país para um processo comunista ou seguir um modelo econômico semelhante ao da Venezuela ou de Cuba não estão se concretizando. Castillo está se mostrando bastante moderado nas suas propostas, está jogando dentro da lei, e embora haja uma incerteza econômica contínua, isto se deve em grande parte ao cenário de anormalidade gerado pela pandemia que afeta todos os países da região.

Por enquanto, não há nenhuma tentativa de levar o Peru para o populismo ou a irresponsabilidade fiscal. O que vemos, são as ações de alguns atores políticos que procuram paralisar o governo de Pedro Castillo e o país a fim de obter vantagens políticas.

Carlos Ugo Santander

Cientista político, professor e pesquisador associado da Universidade Federal de Goiás. Doutor em sociologia pela Univ. de Brasília e pós-doutorado na Univ. de San Marcos, Peru. Especialista em estudos comparativos sobre a América Latina.

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