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A crise brasileira e os perigos do semipresidencialismo

O país vem experimentando acelerada erosão da autoridade presidencial nos últimos anos, em meio a um cenário de permanente instabilidade política

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Desde o retorno à democracia em 1985, o Brasil teve dois presidentes afastados por impeachment. Além disso, o país vem experimentando acelerada erosão da autoridade presidencial nos últimos anos, em meio a um cenário de permanente instabilidade política.

Diante deste quadro, a adoção do semipresidencialismo vem sendo aventada como uma reforma capaz de minorar as deficiências do modelo de presidencialismo coalizão, garantindo mais governabilidade, governança e estabilidade política.

Em um regime semipresidencialista, em tese, a existência de uma chefia de governo exercida por um primeiro-ministro dependente da confiança da coalizão governista garantiria maior responsabilização política dos partidos.

Ademais, a facilidade de substituição do primeiro-ministro, bastando para isso um voto de desconfiança, contribuiria para resolver rapidamente situações de crise e impasse político entre os Poderes Executivo e Legislativo. Em outras palavras, esse sistema evitaria o longo e traumático processo de impeachment, o único método possível de substituição do chefe de governo no presidencialismo no período entre as eleições.

Em contraponto a esses argumentos otimistas, que têm sido apresentados por lideranças partidárias, ministros do STF e alguns cientistas políticos, sugerimos que é preciso considerar os riscos embutidos na mudança do sistema de governo. A nosso ver, a adoção do semipresidencialismo não resolveria o principal defeito do mix institucional brasileiro: a persistente divergência entre os resultados das eleições presidenciais e congressuais.

De fato, mesmo quando eleitos com ampla maioria do voto popular, os presidentes iniciam seus mandatos contando com bases partidárias diminutas nas duas casas do Congresso. Por isso, os presidentes precisam recorrer à formação de coalizões amplas e, não raro, ideologicamente heterogêneas. Esse processo geralmente se inicia já no período pré-eleitoral com a formação de grandes coligações.

Mantidas estas características, a adoção do semipresidencialismo obrigaria os presidentes a nomear, via de regra, primeiros-ministros de outros partidos, ou mesmo de partidos ideologicamente distantes, o que por sua vez poderia levar conflitos para dentro do Executivo.

No pior cenário, teríamos a situação de coabitação, em que um presidente minoritário é obrigado a conviver com um primeiro-ministro de oposição e um gabinete no qual o partido do presidente não está representado.

Cabe notar, porém, que mesmo quando não se verifica coabitação, não está afastada a hipótese de competição e conflito. Por exemplo, entre um primeiro-ministro que decide usar a visibilidade do cargo para concorrer no próximo pleito contra um presidente que é candidato à reeleição. Em outras palavras, os conflitos recentes que observamos entre presidentes e vice-presidentes seriam transportados para dentro do próprio governo, produzindo um Executivo bicéfalo.

Essa situação é relativamente comum na França, por exemplo, onde nos últimos anos tem se observado cenários de competição entre o presidente e primeiro-ministro: por exemplo, entre Hollande e Valls, ou entre Sarkozy e Fillon. Note-se que nesses casos o presidente e o premier eram, inclusive, do mesmo partido.

Há dois grandes modelos de semipresidencialismo : o formato em que o primeiro-ministro e a maioria legislativa são dominantes -“premiê-presidencialista”-, como na Irlanda e Portugal; e o formato em que o presidente é dominante “presidente-parlamentarista”, como na França, no Peru, e alguns países do Leste Europeu.

No primeiro caso, o presidente tem o poder de nomear o primeiro-ministro, mas não tem o poder de demiti-lo e derrubar o gabinete. No segundo caso, a prerrogativa de demitir o primeiro-ministro e o gabinete é partilhada entre o presidente e o parlamento, tendo o presidente ainda (em muitos casos) a possibilidade de dissolver o parlamento.

Essa diferença de formato tem implicações sobre o desempenho e o comportamento do governo. Assim, no primeiro modelo o gabinete depende apenas da sua base parlamentar, enquanto no segundo caso há uma dupla dependência, o que pode levar a sucessivas substituições na chefia de governo e instabilidade governamental, como tem ocorrido na Ucrânia e Romênia. Não surpreende, então, que os semipresidencialistas no formato “premiê-presidencialista” tendem a funcionar melhor. De fato, o sistema com presidente dominante possui uma tendência intrínseca ao conflito intragovernamental.

O conflitualidade do sistema semipresidencialista

O grau de conflitualidade do sistema semipresidencialista também pode ser influenciado pela extensão dos poderes legislativos do presidente. No cenário de coabitação, por exemplo, um presidente com poderes de veto, decreto e iniciativa exclusiva pode se valer das suas prerrogativas constitucionais para dificultar a implementação da agenda do governo.

A literatura comparada demonstra, de fato, que países semipresidencialistas com presidentes dotados de amplos poderes legislativos experimentam conflitos com maior frequência, o que por sua vez resulta em maiores taxas de rotatividade ministerial e governos mais efêmeros.

Em artigo recente a ser publicado no periódico de política comparada Government and Opposition, André Borges e Pedro Ribeiro demonstraram que o aumento da autoridade legislativa presidencial em regimes semipresidencialistas está associado a menores taxas de disciplina partidária. Além disso, o semipresidencialismo só produz comportamento partidário mais disciplinado quando os presidentes são fracos do ponto de vista das prerrogativas legislativas.

Feitas todas essas ponderações é preciso considerar, por fim, que reformas institucionais não são feitas ex nihilo sem contar os contextos sociológico e institucional pré-existente. Assim, a adoção eventual do sistema semipresidencialista no Brasil deverá responder as perguntas de qual modelo implantar (primeiro ministro dominante ou presidente dominante) de modo a chegar a um difícil consenso entre atores com interesses divergentes (ex., os partidos de vocação presidencial perderam poder com tal mudança, enquanto os partidos especializados nas disputas congressuais e subnacionais teriam ganhos).

Em um cenário de crescente polarização das elites parlamentares e elevadíssima fragmentação partidária, os riscos de tal reforma produzir verdadeiro “Frankenstein” institucional não devem ser minimizados.

Em outras palavras, a implantação de um sistema semipresidencialista no Brasil assemelha-se ao efeito lampedusa, magistralmente apresentado no filme de Lucchino Visconti Il Gattopardo, que se resume a essa frase: mudar tudo para que nada mude.

Adrián Albala

Professor do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília

André Borges

André Borges é cientista político. Professor de Ciência Política na Universidade de Brasília. Doutor em Ciência Política pela Universidade Oxford é Mestre em Administração Pública – UFBA (2001)

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